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TIPOLOGIA DAS TUTELAS DE URGÊNCIA

    1. ASPECTOS ESTRUTURAIS E FUNCIONAIS

 

    Neste breve estudo procuraremos delinear as principais caracte­rísticas e diferenciações estruturais e funcionais das diversas espécies de tutela de urgência, numa tentativa de sistematização tipológica desses institutos jurídicos, enquadrando-os conforme os seus respectivos elemen­tos que traduzem características e distinções básicas.

 

    As tutelas de urgência - sejam do tipo cautelar ou antecipatória - apresentam primeiramente uma característica que lhes é ínsita, qual seja, a sumarização procedimental. Este recurso consiste na redução do lapso destinado ao conseguimento da providência jurisdicional emitida em forma de liminar, inaudita altera parte ou após justificação prévia, mas, em qualquer caso, sempre norteada por uma cognição sumária.

 

    A sumarização do processo corresponde a vários reclamos e emprega diversas técnicas procedimentais. Porém, o que torna a sumarie­dade uma característica inamovível no oferecimento da tutela jurisdicional de urgência é que nesta, a prestação há de ser pronta e imediata, sob pena de perder a sua própria eficácia, diante da possibilidade de grave dano, prejuízo irreparável ou de difícil reparação.[1]

 

    O conhecimento sumário se reduz à análise das provas escritas, que instruem a peça inicial, e/ou testemunhais, produzidas em audiência de justificação, unilateralmente, suficientemente capazes de respaldar um juízo preliminar, provisório ou temporário à segurança, fulcrado na probabilidade de configuração de dano grave, irreparável ou de difícil reparação, assegurando utilidade e eficácia do provimento principal definitivo, e/ou em verossimilhança do direito alegado pela parte deman­dante, isto é, de mera plausibilidade e não de certeza. Importa dizer que as tutelas de urgência buscam fundamento na provável existência do direito que constituirá, ou já constitui, objeto do processo à cognição plena, também denominado de fumus boni iuris ou no periculum in mora.

 

    Como elemento integrante das tutelas de urgência, a provisorie­dade ou a temporariedade significam a não definitividade da providência judicial concedida, a qual dependerá sempre de uma sentença de "mérito cautelar"[2] ou de uma sentença de mérito propriamente dita (isto é, a que decide a respeito da pretensão de direito material articulada na petição inaugural), proferida em processo principal (ou no próprio feito, se nele ocorreu a concessão ou denegação da medida) que a confirme ou revogue.

 

    Sem maiores dificuldades, vê-se que o fator tempo assume extrema importância no trâmite e na efetividade do processo, porquanto é em torno desse eixo central que gravitam todos os anseios e pretensões dos litigantes, à obtenção de uma rápida solução para os seus conflitos intersubjetivos. Diante deste elemento temporâneo, vital em seus efeitos pragmáticos à concretização da jurisdição em toda sua plenitude, faz-se mister que façamos uma pausa para refletir um pouco mais a respeito.

 

    Parece-nos que o ponto de partida para uma melhor compreensão dos institutos jurídicos das tutelas de urgência esteja na distinção entre provisoriedade e temporariedade feita por CALAMANDREI: "Tem­porário é simplesmente aquilo que não dura sempre, sem que se pressuponha a ocorrência de outro evento subseqüente que o substitua: enquanto o provisório, sendo como o primeiro também alguma coisa destinada a não durar para sempre, ao contrário daquele, está destinado a durar até' que sobrevenha um evento sucessivo que o tome desneces­sário, existindo, portanto, entre a provisoriedade típica dos provimen­tos cautelares e a providência subseqüente uma relação peculiar, capaz de tomar desnecessário o provimento cautelar quando o provimento definitivo sobrevenha, fazendo com que seus efeitos desapareçam".[3]

 

    Seguindo essa mesma linha de pensamento, o Professor OVÍDIO retomou mais recentemente no Brasil a preocupação com o tema com o escopo de facilitar a distinção entre tutelas de natureza meramente cautelar e as tutelas antecipatórias, bem como, para a sustentação da tese que define as cautelares como instrumento de proteção do direito da parte ao invés de defesa da jurisdição ou do processo.

 

    Para facilitar a compreensão mais adequada da diferenciação, o Mestre gaúcho utiliza-se do exemplo empregado por LOPES DA COSTA (Medidas Preventivas, p. 16, 2ª ed.), a respeito da construção de um edifício: os andaimes colocados num prédio são temporários, mas não provisórios, porque eles devem permanecer até que o trabalho exterior da edificação seja concluído. "São, porém, definitivos, no sentido de que nada virá substituí-los. Esta temporariedade, no entanto, difere do modo como o desbravador do sertão se serve da barraca onde acampa, até que possa construir uma habitação definitiva. A barraca, neste caso, desempenha uma função 'provisória', dado que seu uso estará limitado ao tempo necessário à construção da habitação definitiva que a substituirá. O provisório é sempre trocado por um definitivo".[4]

 

    Compartilhamos com OVÍDIO sua tese quando combate a teoria de CALAMANDREI e afirma que as medidas cautelares devem ser temporárias e não provisórias, de modo a atender, em resumo, as seguintes exigências: "a) não deverão ter sua duração determinada pela emanação de uma providência definitiva 'que as substitua', mas haverão de durar enquanto dure o estado perigoso (...); b) as medidas cautelares haverão de consistir ,sempre, numa forma especial de tutela jurisdicional diversa daquela que será a tutela satisfativa (realizadora) do direito assegurado, devendo limitarem-se a ser uma forma de proteção menor (minus, ou algo diferente (aliudi) em relação a tutela satisfativa correspondente (...); c) se a medida cautelar deve durar enquanto existir o 'estado perigoso', então a exigência fundamental é que ela não crie uma 'situação fática definitiva', ou uma situação cujos efeitos sejam irreversíveis. Quer dizer, a medida cautelar deverá ser em si mesma temporária, e igualmente temporária em seus efeitos". [5]

 

    Segundo CALAMANDREI - seguido ainda hoje por uma plêiade considerável de processualistas, inclusive brasileiros - o escopo precípuo das ações cautelares seria antecipar os efeitos da jurisdição,[6] aparecendo a sua garantia a serviço de ulterior atividade jurisdicional, a qual deverá restabelecer em modo definitivo a observância, a "dar tempo à justiça de realizar eficazmente a sua obra".[7]

 

 

 

2. DISTINÇÃO E ANALOGIA ENTRE TUTELA ACAUTELATÓRIA E ANTECIPATÓRIA

 

    Diante de tudo o que já foi exposto, torna-se mais fácil o delineamento e a conseqüente visualização aclarada a respeito da distinção entre as tutelas sumárias de urgência ditas acautelatórias e antecipató­rias, ou tutela sumária cautelar e tutela sumária não cautelar.

 

    Em outras palavras, o que estamos pretendendo demonstrar é que nem todas as formas de cognição sumária urgente serão cautelares[8] assim como a cautelaridade pura não se confunde com antecipação satisfativa dos efeitos materiais da sentença de mérito.

 

    Essa última diferenciação é, sobretudo, fundamental para a com­preensão, controle e aplicação das duas categorias, evitando-se que as últimas (antecipatórias) invadam o campo específico das primeiras (cautelares), inclusive porque, como pondera ROSENBERG, as provisionais satisfativas deveriam ser outorgadas como solução de direito estrito nos limites em que ordenamento jurídico as prevê e autoriza. Não foi por menos que já ouvimos alerta: "A concessão indiscriminada de liminares satisfativas, sem previsão legal, pode acabar gerando uma 'jurisdição de urgência' paralela à comum, com sacrifício, muitas vezes, do princípio da 'bilate­ralidade da audiência' com a inevitável criação do 'fato consumado, o que somente em casos excepcionalíssimos poderá estar legitimado".[9]

 

    Ambos os tipos de tutela aparecem com função idêntica, destinada a neutralizar os danos que podem resultar à parte que obtenha êxito na demanda no processo de cognição plena (ou exauriente) e, portanto, de garantir a efetividade da tutela jurisdicional através de técnicas procedi­mentais diversas: a técnica da tutela cautelar caracterizada por um procedimento sumario inidôneo por definição a dar uma disciplina defini­tiva à relação controversa, e, por sua vez, a técnica da tutela sumária não cautelar destinada a desaguar num procedimento sumário, dotado, inver­samente, de tal idoneidade.

 

    Mesmo considerando-se que o recurso à técnica da tutela sumária não cautelar pode derivar da exigência de garantia da efetividade da proteção jurisdicional e da exigência de economia processual, o fenômeno das relações entre tutela sumária não cautelar e tutela sumária cautelar pode ser descrito graficamente - como bem demonstra PROTO PISANI na seqüência de seu raciocínio - como dois círculos parcialmente coinci­dentes, onde as duas partes que não coincidem representam algumas vezes o setor da tutela sumária não cautelar, correspondente a meras exigências de economia dos juízos e o setor das tutelas cautelares chamadas conser­vativas (ou apenas parcialmente antecipatórias); por outro lado, a parte coincidente do círculo representa o setor da tutela sumária não cautelar, correspondente à exigência de efetividade da tutela jurisdicional e da tutela cautelar totalmente antecipatória.[10]

 

    Acautelar uma determinada situação fáctica ou jurídica concreta significa protegê-la, preveni-la, resguardá-la, defendê-la; logicamente, medida cautelar é medida que acautela, e não que antecipa. Diversamen­te, se a medida antecipa os efeitos materiais da sentença de mérito (definitiva), ela a está executando, provisoriamente, no plano fáctico;[11] se executa, não acautela, mas satisfaz a pretensão do interessado. "Nosso entendimento do que seja a 'satisfação' de um direito toma este conceito como equivalente à sua 'realização' concreta e objetiva. Satisfazer um direito, para nós, é realizá-lo concretamente, no plano das relações humanas".[12] Servem muito bem de exemplo as ações possessórias de rito especial: a tutela liminar concedida é antecipatória e satisfativa, porquanto realiza jurídica e facticamente a pretensão articu­lada pelo possuidor, não obstante provisoriamente.

 

    Diz, acertadamente, o Professor OVÍDIO - usando do exemplo da reintegratória de posse - que se o autor obtém a recuperação da coisa através da medida liminar, "... devemos considerar este provimento como antecipatório da sentença de procedência: e, sendo antecipatório, será necessariamente 'satisfativo' do 'direito provável' do autor".[13]

 

    Ademais, não se pode resistir à admissão da chamada execução provisória contra periculum in mora. "Muitas das liminares concretizam execução antecipada, ou execução urgente, embora prestadas sob o nome de cautelares, E as decisões que concedem estas liminares apreciam, mediante cognição sumária, a lide que deve ser julgada na sentença de cognição exauriente. Em outras palavras, é possível execução provisória, através de liminar, mediante cognição sumária da lide. Ora, se devemos admitir a possibilidade da concessão de liminar antecipatória no procedimento comum, obviamente temos que aceitar, pena de evidente contradição, a execução provisória da sentença de cognição exauriente contra o periculum in mora".[14]

 

    Num estudo voltado à análise da teoria de CALAMANDREI sobre a jurisdição cautelar, com a autoridade de sucessor universitário na cátedra do Mestre fiorentino, PISANI ressalta que a sua idéia estava muito mais dirigida a providências monitórias do que propriamente cautelares, as quais têm por escopo antecipar a sentença de mérito. [15]

 

    Por sua vez, "A distinção entre o processo monitório e o processo cautelar, segundo a concepção de CALAMANDREI, resumir-se-ia na circunstância de consistir o provimento monitório numa 'antecipação de julgamento' (eficácia declaratória que nasce, como dizia o jurista, com a pretensão de tornar-se definitiva), ao passo que as medidas cautelares antecipariam 'efeitos', embora CALAMANDREI admita que tais efeitos antecipados possam ter também conteúdo decisório". [16]

 

    Recentemente, MARINONI publicou um oportuno estudo que se enquadra perfeitamente com o nosso pensamento, cujo título, pela objeti­vidade, reflete sinteticamente essa concepção: "tutela antecipatória não é tutela cautelar". Neste estudo, o Professor paranaense procura definir a natureza da tutela sumária satisfativa, já que a mesma não poderá ser cautelar apenas porque assim é rotulada, bem como demonstrar os fundamentos do pensamento contrário, e escreve: "Demonstramos até aqui que a tutela antecipatória é considerada cautelar porque muitos acreditam que o processo serve para a justa composição da lide e outros pensam que não pode haver execução com base em juízo de verossimilhança.

 

    Porém, quem admite a atuação da vontade concreta do direito e a execução fundadas em cognição sumária, pode entender que a tutela antecipatória realiza o direito mediante cognição sumária, enquanto que a tutela cautelar apenas assegura a viabilidade da realização do direito".[17]

 

    DONALDO ARMELIN fornece-nos um conceito bastante eluci­dativo de tutela jurisdicional cautelar, como sendo aquela "... prestada ex officio ou por provocação das partes sem caráter satisfativo e com a finalidade de assegurar, quanto possível, o equilíbrio entre os litigantes no processo satisfativo e a eficácia da prestação jurisdicional neste reclamada ou reclamanda".[18]

 

    Não obstante a elevada precisão conceitual trazida a lume pelo culto Desembargador paulista, a dificuldade na manutenção de sua pureza, quando confrontada com algumas medidas satisfativas empiricamente verificadas no universo jurídico-legislativo, exsurge naturalmente no instante em que ele mesmo efetua essa comparação, não deixando de anotar que, realmente, existem atuações jurisdicionais que se situam, por assim dizer, "na zona cinzenta entre cautelaridade e a satisfatividade" (p.ex. a ação de nunciação de obra nova).

 

    Vejamos um excerto do estudo do citado Mestre, que demonstra muito bem a complexidade desse tema: "Há prestações jurisdicionais definitivas, embora temporárias. É o que sucede v.g. com a obrigação de pensionar, decorrente de ato ilícito, que desaparecerá chegando-se ao termo final da vida provável da vítima. Mas as prestações jurisdi­cionais provisórias apenas sobrevivem enquanto não ocorre a defini­tiva, in casu, a satisfativa. É certo que existem prestações jurisdicionais satisfativas provisórias, como sucede nas liminares das ações posses­sórias, que correspondem a suma antecipação da eficácia da prestação jurisdicional definitiva, ou nas execuções provisórias. São prestações jurisdicionais satisfativas antecipatórias sujeitas à confirmação ou revogação a final, tal como existem prestações jurisdicionais cautelares antecipatórias. Mas esta imbricância quanto à antecipação não desco­lore a distinção entre provisoriedade e temporariedade".[19]

 

    Como é sabido, as ações cautelares propriamente ditas (ou remé­dios puramente cautelares) têm estrutura e requisitos específicos. Segun­do GIUSEPPE TARZIA, "... a tutela cautelar aparece efetivamente como um tertium genus em relação às de cognição e de execução, estando ligada a ambas por nexo de instrumentalidade, que afirma a sua especificidade também no tocante às tutelas sumárias não caute­lares.

 

    Na verdade, não se pode afirmar a peculiaridade desta tutela e depois dar relevo à possível coincidência de conteúdo com os processos cognitivos e executórios, porquanto a função da medida cautelar não é aquela de 'acertamento' (cf. art. 2.909 c.c.) nem aquela de satisfação coacta, não obstante uma ou outra possa algumas vezes antecipadamente e provisoriamente realizar-se".[20]

 

    Toda esta Babei teórico-dogmática é resultante do nosso sistema processual que não foi fiel no Livro III do CPC à inclusão do que denominamos de tutelas acautelatórias puras ou próprias, ou seja, aqueles remédios que não apresentam (ou misturam) conteúdos e efeitos antecipatórios satisfativos da decisão definitiva, mas estritamente assecu­rativos desse resultado e/ou do próprio processo. Ao contrário, mesclou sob o manto do processo cautelar (arts. 796/889) tutelas de urgência tipicamente cautelares (garantidoras da efetividade do processo, das pessoas, das provas, dos fatos) com outras medidas de natureza antecipa­tória satisfativa (p.ex. alimentos "provisionais", busca e apreensão, interdição ou demolição de prédio etc.), sem contar com a admissibilidade das cautelares inominadas que, na prática, de maneira quase que absoluta, transformaram-se em antecipatórias satisfativas (p.ex. a sustação de protesto).[21] Por outro lado, como se não bastasse, não há que se perder de vista também os chamados procedimentos especiais (ou cognitivos especiais), onde residem várias formas de medidas antecipató­rias satisfativas (p. ex. as ações possessórias de rito especial, os embargos de terceiro etc.).

 

    A verdade é que, queiramos ou não, o nosso sistema processual tal como está traçado, admite ou prevê expressamente ações que erronea­mente passaram a ser rotuladas de cautelares antecipatórias, de natureza satisfativas; como realidade inconteste do mundo fáctico e jurídico, não podemos negá-lo, e, qualquer tentativa em contrário transformar-se-ia numa insólita quimera, semelhante à descrita por CERVANTES no seu célebre Don Quixote, na luta do cavaleiro contra os moinhos de vento; ° que desejamos, isto sim, é investigar zeteticamente o sistema e a doutrina, assim como questionar analítica e ontologicamente essas tutelas de urgên­cia, que não apresentam conteúdo ou efeito preventivo ou de mera segurança, mas antecipatório satisfativo.

 

    Por isso, parece-nos acertada a classificação feita por FREDERI­CO CARPI, que não obstante voltada ao direito italiano, adapta-se como uma luva à nossa particular concepção doutrinária, qual seja, a tripartição das tutelas de urgência em: a) tutela de urgência satisfativa autônoma; b) tutela de urgência satisfativa interinal; c) tutela de urgência pro­priamente cautelar. [22]

 

    Todavia, essa classificação que, como dissemos, parece-nos a mais adequada doutrinariamente, deve ser confrontada com a realidade atual do sistema jurídico brasileiro, para que dúvidas maiores não pairem, senão vejamos.

 

    Podemos dizer que de acordo com o sistema posto, poderíamos agrupar as tutelas de urgência de acordo com os seus conteúdos e efeitos, em classificação ternária: as cautelares propriamente ditas; as tutelas antecipatórias e as satisfativas autônomas. No primeiro, aparecem cautelares que chamamos de puras ou próprias. No segundo, as anteci­patórias, específicas ou genéricas.

 

    Porém, há que se ressaltar que o nosso CPC ainda não encampou a tese das tutelas de urgência satisfativas autônomas, do tipo sumário injuncional, como verificamos, por exemplo, no sistema do Código italiano o procedimento d'ingiunzione (arts. 633/656), que em muito se assemelha à nossa tão esperada ação monitória, cuja inclusão está prevista num dos Projetos de reforma do CPC, em capítulo próprio (Capítulo XI) a ser acrescentado ao Livro IV, Título I (arts. 1.102 e ss.).[23]

 

    Contudo, como é sabido, essas três modalidades de prestação jurisdicional delineadas por CARPI encontraram, entre nós brasileiros, o veículo do processo cautelar[24], onde a tutela sumária urgente satisfativa autônoma aparece acobertada pelas cautelares impuras ou impróprias.

 

    E mais: pretendemos dizer que não se pode esquecer também de que existem ações as quais, em face de algumas semelhanças encontradas com as cautelares, passaram a ser tratadas, de uma forma ou de outra como se acautelatórias fossem, sem, contudo, possuírem com elas plena identidade estrutural. Nesses casos, antecipam-se um, algum, ou todos os efeitos da futura sentença de mérito; ou concedem-se medidas preventivas travestidas de cautelares, que em algumas hipóteses seriam de simples homologação e/ou satisfativas e autônomas, pela sua natureza; ou, finalmente, admitem-se como cautelares, ações que possuem rito próprio regulado no CPC.[25]

 

    Da mesma forma, não obstante as últimas e substanciais alterações verificadas no CPC, em dezembro de 1994, apesar do Projeto ter acolhido a construção doutrinária e jurisprudencial das cautelares satisfativas, para os casos em que as medidas concedidas correspondessem à perda do objeto da ação principal, o parágrafo único do art. 806[26], não foi integrado ao sistema através da Lei 8.952, inversamente do que sucedeu com a tutela satisfativa, antecipatória (diferenciada) às ações cognitivas de procedimen­to comum (arts. 273)[27] e a tutela antecipatória (específica) prevista no art. 461, para as ações que tenham por objeto o cumprimento de obrigação de fazer e não fazer, que passaram a integrá-lo.

 

    De tudo o que foi dito e por mais controvertidas e polêmicas que sejam as opiniões a respeito do tema, uma idéia parece ser comum a todos os estudiosos, qual seja, as tutelas de urgência são, sobremaneira, uma forma de tentativa de harmonização do trinômio segurança, rapidez e efetividade do processo, na busca incessante da justa composição do litígio ou, se se preferir, da ordem jurídica justa.

 

    Essas novas espécies de tutela antecipatória vêm evidenciar que a admissibilidade de uma prestação jurisdicional sumária satisfativa, embu­tidas nas técnicas de cognição, representa a imprescindibilidade à cons­trução do devido processo legal, pois, como bem lembrou MARINONI, “não é devido processo legal aquele que protela, injustamente, a realização do direito do autor".[28]

 

 

 

3. DISTINÇÕES ONTOLÓGICAS ENTRE AÇÃO CAUTELAR, MEDIDA CAUTELAR, MEDIDA LIMINAR, TUTELA CAUTELAR E TUTELA SUMÁRIA URGENTE

 

    Por último, resta-nos esboçar uma outra diferenciação que tam­bém assume importância à melhor compreensão do nosso estudo, que pela sutileza e similitude dos enunciados, têm sido erroneamente empregadas na praxe forense, assim como por alguns doutrinadores e tribunais como sinônimas; estamos falando das expressões ação cautelar, medida cau­telar, medida liminar, tutela cautelar e tutela sumária urgente.

 

    A ação cautelar, como já tivemos oportunidade de ver no decorrer deste estudo, é o remédio judicial colocado instrumentalmente à disposição dos interessados para utilização preparatória ou incidental, com o escopo de prevenir, garantir, assegurar sem caráter satisfativo, a concretização futura do direito material colocado sub iudice no processo principal, cognitivo ou executório.

 

    Nesse tipo de processo, a providência judicial concedida é acau­telatória. Por conseguinte, é tão-somente nestas demandas que podemos encontrar as medidas cautelares liminares, ou, simplesmente, medidas cautelares, tendo em vista que o mandamento de cautela integra o ato judicial.

 

    A providência postulada pela parte, ou concedida de ofício, em razão das circunstâncias emergenciais de cada caso concreto não é outra coisa senão uma medida urgente que venha garantir com segurança uma pretensão qualquer determinada, obstativa da irreparabilidade de um dano grave ou de difícil reparação de um direito, ou, antecipar os efeitos fácticos da sentença de mérito de procedência do pedido.

 

    Em outras palavras, as medidas cautelares são os meios acaute­latórios temporários providos pelo Juiz a fim de impedir a irreparabilidade da lesão do direito da parte. "Com essa finalidade existem o processo cautelar e as medidas cautelares, que formam um tipo de atividade jurisdicional destinada a proteger bens jurídicos envolvidos no pro­cesso.[29]

 

    Isto porque as medidas cautelares se consubstanciam exata e precisamente naquelas providências que cabe ao Judiciário tomar, às vezes de ofício, às vezes a requerimento da parte, cujo objetivo seja o de proporcionar condições para que o processo principal, seja ele de conhecimento ou de execução, possa ser eficaz, no sentido de produzir efeitos práticos, concretos e palpáveis. É importante que se frise, entretanto, que o que a parte pode obter com uma medida de natureza cautelar jamais poderá ser mais do que aquilo que ela poderia obter por meio do processo principal.[30]

 

    Nem mesmo no processo cautelar as expressões necessariamente se equivalem, porquanto a medida cautelar, se concedida antecipadamen­te, in limine litis ou após audiência de justificação prévia, importa em medida liminar, pois foi tomada à frente do inter procedimental, isto é, antes da sentença definitiva, a ser proferida no próprio feito ou no principal. Nesse caso, a medida liminar é também acautelatória, diante da sua peculiar natureza - medida liminar cautelar. Diferentemente, se a segurança perseguida foi concedida apenas na sentença prolatada no bojo do processo cautelar, e não preliminarmente, há que se falar apenas em medida cautelar, tendo em vista ser efetivamente a providência jurisdi­cional correspondente àquele ato praticado a final, e jamais em liminar.

 

    As prestações jurisdicionais cautelares consubstanciam-se em medidas cautelares[31], mas não necessariamente em liminares cautelares. A medida é a providência jurisdicional tomada, enquanto que a liminar indica o momento procedimental em que a mesma foi tomada.

 

    A diferença, portanto, "... está no fato de que a liminar 'pode' apresentar uma natureza cautelar mas não tem esta natureza. Isto significa que é incorreta a idéia, por vezes difundida, de que toda liminar tem natureza cautelar".[32]

 

    Aliás, CALMON DE PASSOS lembra muito bem que não se pode considerar que todas as liminares apresentam natureza de tutela preventi­va. Para o Mestre baiano, a prevenção verifica-se quando a liminar é concedida em função do periculum, suficientemente capaz de tornar impossível a prestação da tutela jurisdicional definitiva.[33]

 

    Assim sendo, as medidas liminares ou simplesmente liminares, na qualidade de providência jurisdicional urgente, podem aparecer, como de fato aparecem, não só nas ações cautelares, como também em tantas outras que exigem pelas suas circunstâncias peculiares, uma mani­festação mais rápida e eficiente do Estado-Juiz, inclusive de natureza antecipatória satisfativa, como por exemplo, as liminares concedidas em demandas possessórias de rito especial.

 

    Não há que se confundir, também, processo cautelar com tutela cautelar, porquanto o instrumento previsto pelo legislador para atender as ações ou remédios cautelares destinados a realizar esta forma de proteção jurisdicional, conhecida como tutela cautelar, não é sempre e necessariamente utilizada para cumprimento de sua finalidade institucio­nal, tendo em vista que nem todo processo cautelar contém uma demanda cautelar, tendente a obter do Juiz uma medida cautelar. O processo é o mecanismo, o instrumento colocado à disposição do jurisdicionado para obter a proteção acautelatória.

 

    "Dentre nós, como de resto ocorre nos sistemas jurídicos europeus, especialmente no direito italiano, a que mais diretamente nos ligamos, no alemão e no direito francês, a tendência tem sido no sentido da criação de formas de 'tutelas urgentes', que se servem do mesmo procedimento, originariamente criado como instrumento des­tinado à tutela cautelar somente, embora sejam essas outras espécies de tutelas 'satisfativas' e 'não cautelares'''.[34]

 

    Vê-se, pois, quão inconfundíveis são a proteção jurisdicional denominada de tutela cautelar e as outras formas de tutela sumária urgente, sendo que, inclusive, algumas destas se utilizam do processo cautelar para atingirem o seu desiderato. Por outro lado, em qualquer uma delas, a medida liminar estará presente como providência judicial indis­pensável a essa consecução, ressalvados os casos de processo cautelar em que a tutela for conferida apenas na sentença.

 

    Ressaltamos, também, que "A diferença entre uma 'medida liminar antecipatória' e uma sentença final com que se encerra uma 'lide parcial', é que, no caso da liminar, a 'restituição do indevido' dá-se na mesma relação processual, ao passo que nas ações que contenham 'lides parciais', por serem elas autônomas, e não 'porções' de uma mesma lide, contida na relação processual em curso, a restitutio in integrum obriga o demandado que suportará os efeitos da medida antecipatória a assumir a condição de autor da demanda subseqüente. Isto, todavia, não torna 'qualitativamente' diferentes os efeitos pro­duzidos perante aquele que tivera de prestar em virtude da liminar, para depois reaver o que pagara indevidamente, dos análogos efeitos produzidos frente a quem haja prestado em virtude de sentença sujeita a ter seus efeitos fáticos desfeitos em ação posterior...".[35]

 

    A verdade é que "O homem não tem somente direito constitu­cional à ação cautelar e à ação sumária antecipatória, mas também, sempre que situações emergenciais as exijam, à medida cautelar e à medida sumária antecipatória. É que a Constituição lhe garante o direito à adequada tutela jurisdicional. Assim, ainda que o CPC não tratasse da tutela de urgência, esta deveria ser prestada com base no princípio da inafastabilidade".[36]

 

 

 

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Curso de Direito Processual Civil, vol. II, Forense, Rio de Janeiro, 1987.

 

Revista Jurídica, vol. 129/143, Medidas Cautelares - Requi­sitos da Tutela Cautelar.

 

Revista Forense, vol. 282/1. Medidas Cautelares Atípicas.

 

 

 

[1] DONALDO ARMELIN. Rev. da Proc. Ger. de São Paulo, p. 125. A Tutela Jurisdicional Cautelar.

 

[2] Transportadas as concepções sobre lide e mérito da causa para a órbita do processo cautelar, chega-se à conclusão de que o periculum in mora e o fumus boni iuris não são elementos caracterizadores da referida tutela, mas constituem verdadeiramente o mérito da ação cautelar (cf. LUIZ GUILHER­ME MARINONI, Tutela Cautelar e Tutela Antecipatória, p. 142, concl. nº 34). Mais especificamente, sobre A Lide Cautelar no Processo Civil, v. ALCIDES MUNHOZ DA CUNHA. Diversamente, seguindo a doutrina de CARNELUTTI, v. HUMBERTO THEODORO JR., para quem a tutela cautelar é uma "tutela ao processo, a fim de assegurar-lhe eficácia e utilidade práticas" (Processo Cautelar, p. 74, nº 50) e a lide é uma só, razão pela qual não admite a existência do chamado direito substancial de cautela (ob. cit., p. 60, nº 40), não passando a proteção cautelar de uma disciplina provisória da lide principal (Curso de Direito Processual Civil, vol. II, nº 1.025). Assim também GALENO LACERDA, que, não obstante admitir a existência de mérito no processo cautelar, defende a tese de configuração apenas de uma lide parcial (parte da lide principal) (Comen­tários ao CPC, vol. VIII, t. I, p. 46, nº 09).

 

[3]  Introduziolle, pp. 36/37, nº 03, trad. esp., Buenos Aires, 1945 (apud OVÍDIO, Curso, vol. III, p. 38).

 

[4] Curso de Processo Civil, vol. III, pp. 38/39, § 8°. E diz mais: "O provisório somente poderá ser substituído pelo definitivo se houver entre eles, como observou CALAMANDREI, uma relação entre seus efeitos que tome capaz a substituição de um pelo outro, quer dizer, se ambos forem da mesma natureza, de modo que o provisório possa ser forçado pelo definitivo", (p. 39).

 

[5] OVÍDIO BAPTISTA DA SILVA. Curso, vol. m, pp. 42/45. Lembra ainda muito bem que CALAMANDREI (ob. cit.) não contrapõe a cautelaridade à satisfatividade e sim à definitividade. Para o Mestre italiano, o elemento que distingue as duas categorias é a circunstância de ser a medida cautelar provisória e, como tal, oposta às providências definitivas (p. 42). Assinala também com precisão, que "A diversidade dos efeitos entre a medida cautelar e outra que seja antecipatória, é que assegura o caráter de "temporariedade essencial as providências cautelares, ao contrário da provisoriedade que - enquanto antecipa os efeitos da sentença de proce­dência - pode produzir conseqüências práticas definitivas e imodificá­veis, como se dá, por exemplo, com os alimentos provisionais. Quem recebe os provisionais, mesmo que seja declarado depois sem direito a eles, não os devolverá. Não há, portanto, 'no plano fático', nada que se possa dizer provisório. A sentença é provisória, enquanto ato capaz de ser revogado depois: os alimentos provisionais pagos são definitivos, uma vez percebidos pelo 'suposto credor'''. (p. 43).

 

[6]  PIERO CALAMANDREI, lntituzioni, vol. I, pp. 51/52, § 18.

 

[7] Idem, p. 53, § 19. Para CALAMANDREI "O conteúdo da garantia cautelar é variável, enquanto, devendo ele antecipar em modo provisório os efeitos de uma sucessiva garantia jurisdicional definitiva, há necessidade de quando em vez de conformar-se ao variado conteúdo desta: mas este é o seu caráter distintivo: o de ser o prenúncio e a antecipação (e se poderia dizer, a sombra que precede o corpo) de um outro procedimento jurisdicional, o instrumento para fazer com que esse possa atingir em tempo, 'la garanzia della garanzia' (p. 53).

 

[8]  Neste sentido v. OVÍDIO BAPTISTA DA SILVA (Curso, vol. III, p. 47, § 9°) e DONALDO ARMELIN (Rev. da Proc. Ger. do Est. São Paulo, vols. 23/125. Escreve também NELSON PINTO que assim como sucede no mandado de segurança, nos embargos de terceiro e nos interditos possessórios "... a liminar que é eventualmente concedida pelo Juiz tem, via de regra, como objetivo, adiantar, integral ou parcialmente, o resultado buscado pela parte, e tem os seus pressupostos quase que coincidentes com os fundamentos do mérito da ação". (Processo Cautelar, p. 08).

 

[9]  OVÍDIO BAPTISTA DA SILVA, Teoria de la acción cautelar, p. 28,  § 10.

 

[10] La nuova disciplina del processo civile, p. 302, nº 1.8.

 

[11] V. o estudo de MARCELO GUERRA intitulado Reflexões em Torno da Distinção entre Execução Provisória e Medidas Cautelares Antecipató­rias (Rev. de Proc., vols. 57/208-210). Escreve que "Comparando as medidas cautelares antecipatórias e a execução provisória, observa-se que é possível encontrar entre ambas um ponto em comum. De fato, do ponto de vista da evidência empírica, ambas consistem numa satisfação de um interesse material, que não é 'definitiva'. Entretanto, esta seme­lhança 'meramente fática' entre as duas figuras não é suficiente para configurar uma identidade jurídica entre elas. Na verdade, execução provisória e a medida cautelar antecipatória são profundamente diversas tanto do ponto de vista da estrutura (especialmente no que diz respeito à formação daquelas figuras), como do escopo de ambas". (p. 209). Mais adiante, resume a diferença entre a execução provisória e a denominada "cautelar antecipatória" na seguinte fórmula: "A primeira é concedida ex lege e a segunda ope iudicis". Todavia, advertimos o leitor que o citado Articulista acolhe integralmente a teoria de CALAMANDREI a respeito das ações cautelares antecipatórias, pensamento com o qual, como já deixamos frisado no corpo deste nosso estudo, não compartilhamos. Assim, dentro de nossa óptica, o mencionado estudo deve ser recebido com algumas ressalvas. Num de seus estudos, analisando a questão ora enfocada, MARINONI ressalta muito bem que CALAMANDREI (Introducción al estudio sistema­tico de las providencias cautelares, p. 62) " ... não percebeu que a expressão 'execução provisória' revela uma contradição, na medida em que 'exe­cução provisória', execução é. Provisória é a sentença na qual a execução se funda, assim como provisória pode ser apenas a sentença antecipató­ria; jamais a realização do direito". (Rev. de Proc., vols. 74/1O1. Tutela antecipatória não é tutela cautelar).

 

[12] OVÍDIO BAPTISTA DA SILVA, Curso, vol. III, p. 21, § 4º. Segundo o citado Doutrinador, "Todo direito tende, necessariamente, para a reali­zação. O direito, pode-se dizer, é uma ordem normativa carente de realizabilidade prática. Podemos dizer, então, que os direitos tendem a realizar-se no plano social e a tutela cautelar é, precisamente, um instrumento eficaz concebido para assegurar a realização dos direitos. Queremos chamar a atenção do leitor para o que acaba de ser dito. Conceituando a tutela cautelar, tivemos o cuidado de dizer que ela exerce a função de instrumento que 'assegura' a 'realização' dos direitos subjetivos. Assegura, porém não 'satisfaz' o direito assegurado". (idem, ibidem).

 

[13] Curso de Processo Civil, vol. III, p. 32, § 7°. Curso de Processo Civil, vol. III, p. 32, § 7°.

 

[14] LUIZ MARINONI, Rev. dos Trib., vol. 706/58, nº 11. Efetividade do Processo e Tutela Antecipatória.

 

[15]  PROTO PISANI, Riv. di dir. proc., vol. 34/1979, p. 575. Sulla tutela giurisdizionale differenziata.

 

[16] OVÍDIO BAPTISTA DA SILVA, Curso, vol. III, p. 41, § 8°. Ressalta também com muita propriedade que "Tudo afinal se resume numa com­preensão errônea de modo como é formado o conteúdo do ato jurisdicio­nal e a relação existente entre seu respectivo 'conteúdo' e 'efeitos· ...” (idem, ibidem).

 

[17] Rev. de Proc., vol. 74/100, nº 5. Tutela Antecipatória Não é Tutela Cautelar. "... Será que a evolução da consciência dos homens, que já fez ruir tantos castelos construídos nos ventos de outras épocas, não permi­tirá a derrubada do mito da nulla executio sine titulo? (p. 99, nº 14). MARINONI assinala muito bem que "Em se tratando de tutela antecipa­tória, a definição do encargo da propositura da ação principal deve ser feita em atenção às diversificadas situações de direito substancial, sendo insuficiente a norma de direito processual que prevê, de forma genera­lizada, que o autor da ação antecipatória tem o ônus de propor a ação de cognição exauriente". (p. 100, nº 05). Em sentido contrário v. GALENO LACERDA (Comentários ao CPC, vol. VIII, t. I, pp. 14 e ss.) que, ao fazer a classificação e distinções entre a ações cautelares, segundo a finali­dade, além da segurança quanto à prova (cognição) e a segurança quanto aos bens (execução), admite ainda a segurança mediante antecipação provisória da prestação jurisdicional (ex. alimentos, guarda de filhos e grande parte das cautelares inominadas). No mesmo diapasão v. ROGÉRIO LAURIA TUCCI (Rev. de Proc., vol. 67/58-59. Medidas Cautelares Constritivas Patrimoniais).

 

[18] Rev. da Proc. Geral do Est. de São Paulo, vol. 23/121. É de se registrar também o conceito fornecido por JOÃO BASTOS, baseado nos elementos estruturais que compõem a tutela cautelar, conforme os ensinamentos de CRISANTO MANDRIOU (Riv. di Dir. Proc., vol. XIX, pp. 551/558. Per una nozione strumentale del provvedimenli anticipatori o inlerinali): "aquela medida 'temporária', obtida por uma 'sentença mandamental' (sem exame de mérito), através de 'cognição sumária', como forma de prote­ção jurisdicional a um direito que se supõe aparentemente como existente (fumus bani iuris) (Direito Substancial de Cautela), sobre o qual incide uma situação concreta de perigo se houver retardamento (periculum in mora) na prestação jurisdicional de cautela ('situação cautelanda'), e que se não atendida de imediato poderá causar um 'dano irreparável', constituindo-se quanto à ação principal futura a ser proposta, ou no processo já em curso em segurança para a execução da futura sentença de mérito, sem, portanto, satisfazer ou antecipar no todo ou em parte, eficácias desta". (Rev. Jur., vol. 139/45-46, nº VI. As Novas Correntes e a Tendência Moderna em Tema de Tutela Cautelar). Para um aprofun­damento sobre os elementos estruturais das ações cautelares (denominados por OVÍDIO de pressupostos) - sumariedade da cognição, iminência de dano irreparável, situação cautelada e sentença mandamental - v. Teoria de la acción cautelar, pp. 101/125). Contrariamente, v. HUMBERTO THEODORO JR., para quem os requisitos específicos das cautelares se resumem em risco potencial (periculum in mora) e plausibilidade do direito substancial (jumus boni iuris) (Processo Cautelar, pp. 72/79, nºs 49/52; Rev. For., vol. 582/5-6. Medidas Cautelares Atípicas; Rev. Jur., vol. 129/153-157. Medidas Cautelares - Requisitos da Tutela Cautelar). Lembramos que o Professor mineiro não admite a existência do chamado direito substancial de cautela (cf. Processo Cautelar, pp. 59/61, nº 40).

 

[19] DONALDO ARMELIN. idem, p. 122. Após essa colocação, o ilustre Professor explica porque essa imbricância não descolore a distinção entre provisoriedade e temporariedade, nos seguintes termos: "A uma, porque a prestação da tutela jurisdicional cautelar é sempre provisória, o que não ocorre com a satisfativa: a duas, porque o fundamento de uma e de outra são díspares e inconfundíveis" (idem, ibidem). Mas, afinal de contas, as cautelares são provisórias ou temporárias? E como ficariam as ditas "caute­lares satisfativas"? Seriam elas temporárias? E essas "cautelares antecipató­rias" seriam realmente acautelatórias, quando conceitualmente o caráter satisfativo está excluído das cautelares?

 

[20] Il nuovo processo cautelare, p. XXVII.

 

[21] Assim também v. NELSON PINTO, quando assinala que o CPC incluiu indevidamente no Livro III alguns procedimentos específicos que não têm todas as características dos remédios acautelatórios, sendo apenas nominal­mente cautelares. E exemplifica com a busca e apreensão, quando satisfativa; a homologação do penhor legal e a posse em nome do nascituro, as quais não se prestam, propriamente, a servir a um outro processo, "mas têm como objetivo a satisfação de uma pretensão, rapidamente e em caráter definitivo". (Processo Cautelar, pp. 11/12). No mesmo diapasão a tese defendida pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina, no sentido de que as cautelares nunca podem gerar providências definitivas e irreversíveis no plano do direito material (cf. Ap. Cív. 26.034, j. em 31/03/87, Rel. Des. Osny Caetano).

 

[22] Riv. di Dir. Proc., vol. 40/680-724, La tutela d'urgenza fra cautelar, sentenza anticipata e giudizio di merito. Nesse sentido também v. OVÍDIO BAPTISTA DA SILVA, Curso, vol. III, p. 10, § 1º.

 

[23] É o seguinte o teor do novo art. 1.102a: "A ação monitória compete a quem pretender com base em prova escrita sem eficácia de título executivo, pagamento de soma em dinheiro, entrega de coisa fungível ou de determinado bem móvel". Art. 1.102b. "Estando a petição inicial devi­damente instruída, o Juiz deferirá de plano a expedição do mandado de pagamento ou de entrega da coisa no prazo de quinze dias". Art. 1.102c. ... §§ 1º, 2º e 3º ... Segundo OVÍDIO BAPTISTA DA SILVA, a distinção entre providência cautelar e antecipatórias (monitórias), reside na formação do conteúdo do ato jurisdicional e na relação existente entre seu respectivo conteúdo e efeitos (Curso, vol. m, p. 41, final). Recordamos que o direito brasileiro já conheceu uma espécie de ação monitória ou injuncional, através da cominatória prevista no art. 302 do revogado CPC de 39; antecipava-se o efeito condenatório, embora condicionalmente. Também, nas ações executivo- condenatórias do art. 298, não se adiantava a condenação, mas o efeito executivo, mediante a efetivação da penhora. (cf. OVÍDIO, Comentários ao CPC, vol. XI, pp. 34 e ss.).

 

[24] OVÍDIO BAPTISTA DA SILVA, Teoria de la acción caulelar, p. 125, § 28.

 

[25] Assim também v., JOÃO BASTOS, Rev. Jur., vol. 139/46, nº VIII. As Novas Correntes a Tendência Moderna em Tema de Tutela Cautelar.

 

[26] Era a seguinte a redação conferida pelo Projeto ao parágrafo único que seria acrescentado ao art. 806 do CPC: "Dispensar-se-á a propositura de ação principal, quando a execução da medida cautelar importar em perda do seu objeto, devendo essa circunstância ser declarada pelo Juiz por ocasião da concessão da medida".

 

[27] Enquanto o inc. I do art. 273 regula as hipóteses de antecipação da tutela diante de periculum in mora, o inc. II permite a realização antecipada do direito, prescindindo desse requisito, bastando para a sua concessão o abuso no exercício do direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu. E como se percebe da redação cristalina do caput do mesmo artigo, trata-se de antecipação satisfativa que importa em execução "provisória" da preten­são, fulcrada em juízo de verossimilhança (in fine).

 

[28] Rev. de Proc. vol. 74/101. nº 06. E diz mais: "Ninguém ousará pensar que esta tutela antecipatória tem caráter cautelar, muito embora CALAMANDREI tenha chegado a afirmar que mesmo a cláusula de execução provisória de sentença concedida em base na probabilidade de que a sentença de primeiro grau não vai ser modificada, caso analisada pelo ângulo da provisoriedade, comporta-se como um provimento cautelar". (idem, ibidem).

 

[29] VICENTE GRECO FILHO. Rev. Jur. do TJSP, vol. 90/15. Notas Sobre Medidas Cautelares e Provimento Definitivo. Lembra PINTO FERREIRA que "'cautela', 'ae', é um s. ap. f., proveniente de 'cautus', significando precaução, cautela, cuidado, prevenção; 'cautus', 'a', 'um', é o part. p. de 'caveo', 'es', 'caoi', 'cautum' ('cavitum', 'arc.'), significando acau­telar-se, tomar cuidado, precaver-se, prevenir-se". (Vox Legis, vol. 146/7-8. Medidas Cautelares e Decadência do Direito de Reserva de Bens em Inventário).

 

[30] TERESA ALVIM. Medida Cautelar, Mandado de Segurança e Ato Judicial, p. 150. Diz ainda a Professora paulista: "O máximo que pode haver, sob pena da medida cautelar perder a sua 'cautelaridade', é que se trate de medidas idênticas, - a cautelar e a principal, diferenciando-se ambas pelas circunstância de a primeira ser provisória e a segunda definitiva. Assim, ainda que ambas as providências possam coincidir substancialmente, a de caráter cautelar deve sempre ser infirmada ou conformada pela definitiva. ( ... ) "O mais comum, entretanto, é que não haja essa coincidência e que a medida de índola cautelar tenha um objeto menos abrangente do que o da principal. Ainda assim, não é demais repetir-se, as medidas cautelares não podem bastar-se a si mesmas, sob pena de perderem seu caráter cautelar". (idem, p. 151).

 

[31] ARMELIN. Rev. da Proc. Geral do Est. São Paulo, vol. 23/122. A Tutela Jurisdicional Cautelar.

 

[32] BETINA RIZZATO LARA. Liminares no Processo Civil, p. 23, nº 2.2. Por outro lado, não obstante a citada Doutrinadora ter percebido muito bem a distinção entre medida cautelar e medida liminar, com a devida vênia, divergimos radicalmente do seu entendimento quando afirma' que "As liminares, conforme já referido, configuram sempre uma antecipação dos efeitos fáticos da sentença. As medidas cautelares, no entanto, podem ou não apresentar este caráter antecipatório". Primeiramente, parece-nos não ser correta a afirmação generalizadora de que as liminares "...configuram sempre uma antecipação dos efeitos fáticos da sentença..." (p. 24), tendo em vista que existem providências judiciais que, apesar de concedidas liminarmente, apresentam efeitos fácticos e jurídicos diferenciados daqueles que se verificará quando da prol ação da sentença de mérito de procedência do pedido. Tenhamos em vista, para exemplificar, uma ação de nunciação de obra nova onde o autor articula na exordial como pretensão principal (objeto imediato da demanda) a demolição de determinado prédio que está em fase de construção (também chamada de ação demolitória). De outra feita, a título de medida emergencial, postula a concessão de liminar para efetivação do embargo da obra nova. Salta aos olhos com meridiana clareza a distinção entre os efeitos fácticos da liminar (o embargo) e aqueles que se verificarão na hipótese de julgamento procedente do pedido, ao ser prolatada sentença de mérito (a demolição). O segundo equívoco (menos grave, porquanto reflete um posicionamento doutrinário baseado na teoria de CALAMANDREI) pare­ce-nos residir na admissibilidade das medidas cautelares apresentarem natu­reza antecipatória. Ora, as medidas cautelares são encontradas somente no bojo das ações cautelares, as quais apenas têm caráter preventivo, assecuratório, enquanto a antecipação importa em satisfação (mesmo que provisório) da pretensão, portanto, dos efeitos concretos da sentença de mérito da lide principal. Já tivemos oportunidade de dizer: a antecipação não acautela, mas satisfaz pretensão à antecipação e um desvirtuamento dos remédios caute­lares em face da nossa sistemática normativa. A esse respeito, nosso posiciona­mento já se encontra bem delineado no corpo deste estudo.

 

[33] Comentários ao CPC, vol. X, p. 61.

 

[34] OVÍDIO BAPTISTA DA SILVA, Curso, vol. III, p. 9, § 1º. Ressalta o festejado Mestre que o método de estudo baseado na diferenciação dos tipos de tutela (cautelar e sumária urgente) oferece duas vantagens indiscutíveis. "Uma delas é a própria necessidade de conceituar o que seja realmente 'cautelar', comparando-o com as demais espécies de tutela igualmente urgentes que sejam 'satisfativas'. Em última análi­se, o estudo simultâneo da tutela cautelar e das demais formas de tutela satisfativa urgentes servirá para melhor compreender a primei­ra. A outra utilidade do método é realizar uma tentativa de sistema­tização das formas de tutela satisfativas, atualmente desenvolvidas na prática forense brasileira, tarefa esta que não tem sido objeto de interesse dos estudiosos". (idem, pp. 09/10).

 

 [35] OVÍDIO BAPTISTA DA SILVA, Curso, vol. III, p. 58, § 11.

 

[36] LUIZ GUILHERME MARINONI. Tutela Cautelar e Tutela Antecipató­ria, pp. 92/93. Lembra também que no Livro m do CPC existem: "deter­minadas ações que não são cautelares, mas sumárias antecipatórias. Isto nos permite tranqüilamente afirmar, portanto, que também as ações sumárias antecipatórias podem ser requeridas com fulcro no art. 798". (idem, p. 89).