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TÉCNICAS DIFERENCIADAS COERCITIVAS VOLTADAS À EFETIVAÇÃO DA TUTELA ANTECIPATÓRIA GENÉRICA: APLICAÇÃO DE MULTA (“ASTREINTES”) E PRISÃO POR DESCUMPRIMENTO À ORDEM JUDICIAL (“CONTEMPT OF COURT”)

    Percebe-se sem maiores dificuldades que a técnica da execução provisória do art. 588, nada obstante aplicável “no que couber” para fins de efetivação da tutela antecipada genérica, por si só não responde aos anseios dos jurisdicionados ou aplicadores do direito, tornando-se não raramente ineficaz ou inoperante no plano fatual da satisfatividade perseguida pelo autor que demonstra em cognição sumária, o requisito da verossimilhança somado ao perigo de dano ou defesa temerária.

     Ocorre que os mecanismos coercitivos, punitivos ou assecuratórios capazes de tornar muito mais eficaz a execução da tutela antecipada genérica, a exemplo do que se verifica com o regime das antecipatórias específicas (obrigações de fazer ou não fazer – art. 461), notadamente as regras de fixação das penas de multa-astreintes – (§4º), e utilização de medidas necessárias à efetivação da tutela ou obtenção do resultado prático equivalente (v.g. busca e apreensão, remoção de pessoas ou coisas, desfazimento de obras, impedimentos de atividade nociva, requisição de força policial - §5º), não aparecem expressamente definidos no art. 273 do Código de Processo Civil, dificultando sobremaneira a efetivação dessas medidas emergenciais.

     Atenta e sensível a esse problema da ineficiência do regime execucional atualmente formulado para a tutela antecipada genérica, a Comissão Reformadora do Código redefiniu a técnica utilizada, somando-a àquela dos §§ 4º e 5º do art. 461 e ao novo dispositivo apresentado o art. 461-A, sugerindo então o Projeto a seguinte redação para o § 3º do art.273, in verbis: “A efetivação da tutela antecipada observará, no que couber e conforme sua natureza, as formas previstas nos arts. 588, 461, §§ 4º e 5º, e 461-A”.

    Contudo, não vislumbramos qualquer óbice em realizar hodiernamente interpretação sistemática aos arts. 273 e 461, objetivando colher a essência da melhor técnica a ser empregada ao conseguimento da efetivação da tutela antecipatória genérica, em face da desoladora remissão ao regime obsoleto da execução provisória que, de regra, não traz em seu bojo qualquer estado de satisfação ao vencedor da demanda.

     Havemos, ainda, de somar a essas técnicas a advertência coercitiva, possibilidade de prisão e responsabilidade criminal por prática de desobediência[1] ao réu recalcitrante em cumprir a ordem judicial – seja de entregar, dar, fazer ou pagar determinada soma. Outrossim, não pensem os mais afoitos que estamos diante de obstáculos constitucional que somente em casos excepcionais admite a prisão civil de depositário infiel ou não pagamento de pensão alimentícia. Salienta-se que a hipótese ora ventilada não é de prisão (puramente) civil e, muito menos de “prisão civil por dívida” – cada vez mais combatida nos tempos atuais.[2]

     Ocorre que o descumprimento à ordem judicial dessa espécie, nada obstante emanada de juiz cível, reveste-se de natureza eclética (instrumental civil e penal), seja qual for a sua origem ou fundamento, representando verdadeira e inadmissível afronta ao poder legítimo emanado do Estado-juíz, e, por conseguinte, importando em crime de desobediência, passível de prisão (inclusive em flagrante), cuja responsabilidade penal haverá de ser apurada regularmente perante o juiz competente (no caso do Brasil, por juiz investido de jurisdição criminal). Assemelha-se aos juízos de common law, notadamente e em linhas gerais, em se tratando de desobediência às medidas injuncionais (injuctions) capazes de acarretar até, se necessário for, o encarceramento do recalcitrante (contemnor) – contempf of court (no caso, civil contempf), independentemente da jurisdição exercida pelo magistrado, podendo ficar caracterizado, dependendo apenas das circunstâncias, em criminal contempf ou civil contempf.[3]

     Outrossim, ressaltamos, de passagem, que a origem remota do instituto denominado de contempf of court não é anglo-americana, mas sim romana, encontrando-se, inclusive, nas Ordenações do Reino, mas que deixamos de preservar por influência do direito francês, notadamente em face dos influxos do movimento liberal do século XVIII. Nesse sentido, lembre muito bem OVÍDIO A. BAPTISTA DA SILVA: “... O texto das Ordenações Filipinas que tratava das denominadas cartas de segurança (Liv. V. Tit.128) continha, em germe, os elementos formadores das modernas mandamentais e  revela a fonte romana do instituto do contempf of court recebido pelo direito anglo-americano da mesma vertente, mas que nós não preservamos, por influência do direito francês”.

     “Dizia o aludido preceito das Ordenações, ao trazer da hipótese de oferecer o demandado resistência ao cumprimento da sentença: “... o julgador o segurará de nossa parte, de dito feito e conselho e além disso castigará o que por seu mandado não quiser dar a dita segurança pelo desprezo (grifamos)  que lhe assim fez a pena segundo a qualidade da pessoa e a razão que tiver e disser porque não fez seu mandado. Ora, a medida de que se utiliza o direito anglo-americano, contra igual desobediência à sentença, denomina-se contempf of court, locução que tem a mesma origem etimológica da palavra desprezo empregada pelos velhos textos lusitanos ...”[4]

     Imperdível também de ser transcrita a regra contida na parte final do caput do aludido Título 128, Livro V, das Ordenações Filipinas, que complemente a questão do descumprimento da ordem judicial com a prisão do recalcitrante, in verbis: “E se for pessoa de estado e não alegar justa razão, aplicar-se-á pena de dinheiro ou o emprazará, que a certo dia apareça perante Nós pessoalmente a se escusar, porque não cumprido o mandado da Justiça. E se for outra pessoa, será degredada da Cidade ou Vila, ou o  mandará prender até que dê a dita segurança” (grifei).[5]

     Tudo se resume, em nosso entender, ao problema da deontologia na dialética processual, à imprescindível observância dos deveres de lealdade e probidade instrumentais que haverão da nortear as partes e seus procuradores no permanente desenvolvimento do contraditório, bem como, ao relacionamento com quaisquer participantes do processo, notadamente o Estado-juíz, tendo-se em conta que todos haverão de cumprir ou fazer os mandamentos judiciais e abster-se de colocar empecilhos à sua efetivação.

     Seguindo esse entendimento, o Projeto da Reforma do CPC, introduz o inc. V ao art. 14, assim como o parágrafo único, “...visando estabelecer explicitamente o dever de cumprimento dos provimentos mandamentais, e o dever de  tolerar a efetivação de quaisquer provimentos judiciais, antecipatórios ou finais, com a instituição de sanção pecuniária a ser imposta ao responsável pelo ato atentatório ao exercício da jurisdição, como atividade estatal inerente ao Estado de Direito. Em suma: repressão ao contempf of court, na linguagem do direito anglo-americano”.[6]

     Nesse diapasão, com muita propriedade escreve SÉRGIO CRUZ ARENHART: Quando à prisão para cumprimento de ordem judicial não tem esta caráter obrigacional. Ao contrário, deriva do imperium estatal e tem por fim resguardar a dignidade da justiça. Enfim, encontra apoio na regra do art. 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal, no que pertine à garantia de um provimento jurisdicional útil, isto porque, em tese, pode haver situações em que a única forma de se obter provimento jurisdicional capaz de ser eficaz no caso concreto será contanto com a colaboração do réu (sujeito a uma ordem judicial)...” [7]

     Ademais, como bem salienta o aludido Projeto, ao modificar ao art. 14 do Código, trata-se de ato atentatório ao exercício da jurisdição que merece ser coibido com sanções de ordem civil processual e ainda criminal, onde se inclui, por óbvio, a prisão em flagrante por desobediência em face da recalcitrância no cumprimento da determinação judicial, e desde que revestida de todos os critérios de legalidade. Nesses casos, após a prisão (fragrante praticado por oficial de justiça no cumprimento de seu mister), será o desobediente conduzido à autoridade policial para lavratura do respectivo auto, e, em seguida, encaminhado ao juiz competente, que, no sistema processual brasileiro, conforme já assinalamos, será necessariamente o magistrado atuante em vara criminal, nada obstante a possibilidade de liberação imediata do infrator mediante o pagamento de fiança. Todavia, antes de se chegar a essa medida excepcional e extrema – privação da liberdade – haverá o juiz de conceder ao litigantes prazo mínimo necessário ao cumprimento cabal da ordem legal, bem como, se for o caso, considerar as suas eventuais justificativas de impossibilidade de assim proceder, em homenagem aos princípios do contraditório e da ampla defesa.

    Em se decretando a prisão em flagrante, a soltura do infrator ficará condicionada ao pagamento de fiança ou ao encarceramento pelo tempo de cumprimento da pena, limitando-se a duração definida no tipo penal respectivo. Por isso, em razão de suas conseqüências no mundo dos fatos, onde a recalcitrância acarreta prejuízos não apenas ao renitente, mas também à parte adversária que deixa de colher os benefícios decorrentes da providência emanada em seu favor pelo Estado-juiz, a prisão como medida excepcionalíssima somente encontrará ressonância harmoniosa com o devido processo legal quando a sua imposição decorrer de outras tantas e diferentes medidas coercitivas ou mandamentais desatendidas, tais como a busca e apreensão de pessoas ou coisas, imposição de muita, desfazimento de obras etc.

    É justamente nesse diapasão que o parágrafo 5º do art. 461 do CPC apresenta em rol meramente exemplificativo diversas formas e medidas destinadas à efetivação da tutela específica ou à obtenção de resultado prático equivalente, assinalando, inclusive, a utilização de força policial. Nesse último caso, haveríamos de então perguntar: qual o escopo da requisição de força policial se, em sendo descumprida a ordem judicial, a prisão não puder ser efetivada como medida civil coercitiva e criminal? Parece-nos, com a devida vênia dos que pensam em contrário, que a pergunta não agasalha outra resposta, senão a de que se faz imprescindível a prisão civil e penal, sob pena de tudo não passar de uma curiosíssima panacéia jurídica.

    Outrossim, a questão da competência jurisdicional referente à autoridade (cível) da qual emana a ordem não cumprida, com a máxima vênia dos que pensam diferentemente, não invalida a prisão pela prática de desobediência. Ademais, tratando-se não só de ato atentatório ao exercício da jurisdição cível, mas também de crime de natureza permanente, qualquer um do povo pode e as autoridades policiais e seus agentes devem prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito (cf.art. 301 do Código de Processo Penal) e, com maior razão, a autoridade judicial desobediência em sua ordem legal.[8]

    Se uma parte da jurisprudência vacila (inclusive as Cortes Superiores, lamentavelmente), no desenvolvimento de orientações mais firmes e incisivas para coibirem através de prisão (além de outras sanções) as constantes e cada vez mais freqüentes desobediências às ordens legais emanadas de juízes cíveis ou trabalhistas – notadamente em medidas de urgência concedidas e não cumpridas em mandados de segurança, cautelares e tutelas antecipatórias -, verifica-se, por outro lado, pouca consistência e  até mesmo parca coerência jurídica nesses julgados, e, não raramente, ausência de unanimidade das votações.[9]

     Esses componentes são, em nosso entender, fortes degenerativos capazes de fazer ruir, num futuro não longínquo, essas orientações, em que pese ainda prevalentes, fundadas na ausência de competência desses magistrados para ordenarem a prisão por desobediência às suas ordens legítimas, ou, no errôneo e não menos grave entendimento de que se trata na hipótese vertente de “prisão civil”, não respaldada nas duas exceções de origem constitucional (art. 5º. Inc. LXVII).[10] No escólio do sempre lembrado PONTES DE MIRANDA, “...o que a Constituição proíbe é a pena de prisão por não pagamento de dívida, de muitas ou de custas, e não a prisão como meio para impedir que o que tem a posse imediata de algum bem se furte à entrega dele”.[11] Ademais, conforme bem ressalta MARCELO LIMA GUERRA, “...encarada a prisão civil como um importante meio de concretização do direito fundamental à tutela efetiva e não apenas como uma odiosa lesão ao direito de liberdade, uma exegese que restrinja a vedação do inc. LXVII do art. 5º, da CF aos casos de prisão por dívida em sentindo estrito preserva substancialmente a garantia que essa vedação representa, sem eliminar totalmente as possibilidades de se empregar a prisão civil como medida coercitiva para assegurar a prestação efetiva de tutela jurisdicional”.[12]

    “Não se proíbe, assim, a prisão civil – usada como meio de coerção. O que inviabiliza pela Lei Maior é a prisão que tem origem em dívida, ou seja, aquela estabelecida para cumprimento do liame obrigacional (...) Com estas considerações, não se afigura inviável permanecer na defesa da possibilidade do uso da prisão civil como meio coercitivo para cumprimento das determinações judiciais. O que fica desde logo descartada é a possibilidade de imposição (por lei) de prisão como forma de adimplemento voluntário de obrigações, que não seja a obrigação alimentar e, se assim se entender, a derivada do contrato de depósito”.[13]

    Salienta-se ainda que o sistema positivado traz em seu bojo diversas situações jurídicas que haverão de ser mantidas e harmonizadas com a Carta de 1988, como, por exemplo, a prisão de natureza injuncional coercitiva definida no art. 885 do Código de Processo Civil, in verbis: “O juiz poderá ordenar a apresentação de título não restituído ou sonegado pelo emitente, sacado ou aceitante, mas só decretará a prisão de quem o recebeu para firmar aceite ou efetuar pagamento, se o portador provar, com justificação ou por documento, a entrega do título e a recusa da devolução”, assim como, nos processos de falência, em que o falido deixa de permanecer à disposição do juízo ou se recuse a entregar os bens, livros etc. (art. 35 da Lei falimentar).[14]

       Parecem-nos ilógicos e pouco jurídicos esses entendimentos, à medida que não se pode imaginar que, “qualquer um do povo” possa prender em flagrante delito algum transgressor, enquanto assim, igualmente, não o possa fazer o juiz cível ou trabalhista, imbuído de seu ofício jurisdicional-constitucional, que, inversamente, haverá de presenciar impávido a desobediência, a chicana, o atentado ao exercício legítimo da jurisdição, em incrédulo ostracismo sócio-político, contentando-se com a vetusta, porém risível, remessa de peças materializadoras da infração ao Ministério Público, a fim de que apure em melodioso processo criminal, a responsabilidade do malsinado recalcitrante, que terminará por findar como tantas outras quimeras jurídicas.

    Em segundo lugar, não estamos diante de uma “terceira” e reprovável hipótese “prisão civil” por dívida, conforme já afirmado, mas de pura e ontológica espécie de “prisão sui generis”, ordenada por magistrado que, sem maiores dificuldades, verifica o descumprimento infundado ou ilegal de seus mandamentos, onde a peculiaridade apontada decorre da origem instrumental da medida coercitiva visando à efetividade do processo e ao seu conseqüente caráter penal, fundado na desobediência à ordem. Frise-se: a institucionalização e manutenção do estado democrático de direito, em sua verdadeira essência, passa também pela indelével necessidade de observância permanente aos mandamentos e sanções legais emanadas de autoridades legitimamente constituídas, sob pena de reverter-se em generalizada e beligerante anarquia.

    De outra banda, observa-se que a tendência universal do processo civil deste final de século e início de milênio reside na aproximação e harmonização dos sistemas romano-canônico e anglo-americano, quando passamos então, cada vez mais, a receber os inevitáveis influxos do fenômeno contempf of court. Aliás, no Brasil, essa inclinação já se faz perceptível pragmaticamente, quando a vemos inserida, paulatinamente, pelas reformas já instituídas e em andamento, pertinentes ao “novo processo civil”, que, por sua vez, tem procurado restaurar o sincretismo das ações (perdido ao longo dos séculos com a decadência do direito romano), assim como implementar técnicas de tutelas jurisdicionais diferenciadas (inclusive antecipatórias) e procedimentos diversificados alem de coibir as práticas atentatórias ao exercício da jurisdição, mormente de natureza mandamental ou executiva.

    No tocante à doutrina, em que pese boa parte tenha se furtado ou tergiversado em enfrentar o tormentoso assunto diante da quase intransponível muralha jurisprudencial, ética, jurídica a até política, alguns autores mais arrojados procuram tratar da matéria de forma a desmistificá-la, isto é, afrontando o tema em questão através de ângulo diverso ou enfoque verdadeiramente adequando, tendo em vista que o cerne do problema não reside na identificação de situações concretas de desobediência (com a qual os autores e tribunais, de forma geral, são uníssonos), mas sim na abordagem voltada a solucionar com efetividade a delicada questão da recalcitrância infundada em cumprir mandamento judicial legítimo.

    Assim, sobre a admissibilidade da tese ora defendida a respeito da prisão como forma de coerção indireta podemos mencionar, v.g. o entendimento de LUIZ MARINONI.[15] Contudo, salientamos que, diverso ao nosso entendimento, nada obstante assemelhado no  tocante ao resultado da medida restritiva de liberdade , o festejado Professor paranaense entende não se tratar de sansão penal, mas daquilo que denomina de “privação da liberdade tendente a pressionar o obrigado ao adimplemento”. No mesmo sentido, SÉRGIO CRUZ ARENHART.[16] Todavia, vemos com muita cautela e ressalva e tese da natureza puramente civil da prisão (de cunho processual) nos termos em que se afigura defendida pelos eminentes Professores paranaenses, à medida que, em nosso modesto entender, parece um tanto quanto temerária, levando-se em conta o sério risco de colidir com preceitos constitucionais de caráter excepcionalíssimo (somados aos tratados internacionais relacionados com o tema de exceção), e, sobretudo, por pensarmos que, nada obstante tratar-se de prisão de origem instrumental civil, os seus efeitos jurídicos são de ordem inarredavelmente criminal, em face da manifesta desobediência cometida pelo recalcitrante contra a autoridade do Estado-juiz, durante o exercício regular e legítimo do poder jurisdicional de “imperium”, nos moldes do contempf of court.

    Conforme deixamos assinalado no corpo destes Comentários, reveste-se a espécie de natureza sui generis, cuja peculiaridade dessa prisão decorre da origem processual civil da providência desobediência e ensejadora da recalcitrância injustificada que, por sua vez, resultará em desobediência criminosa, punível com esse tipo de sanção.

    Por sua vez, MARCELO LIMA GUERRA, que também acolhe essa forma de medida coercitiva voltada à execução indireta da providência judicial resistida, ao tratar da procedimentalidade do uso da prisão civil em hipóteses em concreto, chega ao requinte de ventilar a possibilidade de aplicação das regras analógicas pertinentes à prisão do devedor por alimentos, como rito a ser estabelecido para viabilizar o encarceramento, fundado no §5º, do art. 461 do CPC com o que não concordamos pelos motivos já expostos.[17]

    Também ELTON VENTURI que conclui seu estudo sobre o tema, observando, com acerto, que apesar de sintonizar-se a hipótese de “prisão processual” com os ditames constitucionais insculpidos no art.5º, LXVII da CF, tal proposição haveria de ser considerada de lege ferenda, por ausência de previsão específica e limites definidos pelo devido processo legal.[18] Merecedora de destaque também a lição de ALEXANDRE FREITAS CÂMARA ao responder a indagação que a tantos aflige: “...pode o juiz, com o fim de assegurar a tutela específica da obrigação de fazer ou não fazer, ou o resultado prático equivalente, determinar a prisão do devedor que se recusa a cumprir a prestação?” – E, ato contínuo responde: “Pensamentos que sim. Tal prisão é possível e deve ser determinada quando imprescindível para assegurar efetividade da prestação jurisdicional. Note-se que a vedação constitucional é de prisão por dividas – alvo nas hipóteses notoriamente conhecidas o depositário infiel e do devedor inescusável de prestação alimentícia – e não de prisão por descumprimento de ordem judicial. Tal restrição de liberdade,  todavia, por ser excepcional, deverá ser determinada apenas em casos extremos. O §5º do art.461 implica a adoção de um remédio jurídico de natureza assemelhada à da injunction do sistema da common law e da “ação inibitória do direito italiano”.[19]


[1] Assim está definido O tipo penal de desobediência: "Art. 330. Desobedecer à ordem legal de funcionário público: Pena ­- detenção. de 15(quinze) dias a 6 (seis) meses. e multa. 

[2] Sobre o tema Prisão civil por divida, v. a monografia assim intitulada de ÁLVARO VILLAÇA AZEVEDO.

[3]. Para um aprofundamento sobre o tema da execução indireta no common law, tipos, requisitos e espécies de contemp of court, v. MARCELO LIMA GUERRA, Execução indireta, pp. 70/108.

[4] Curso, vol.II, p. 350. n. 17. ed.4ª.

A respeito da identidade semântica da palavra desprezo, suge­re o Mestre gaúcho que se confiram os ensinamentos de ALDO FRiGNANi. L· injunction nella common law e I’inibitória nel dirit­to italiano, p. 312, n.8. 1974.

[5] Observamos ainda que as Ordenações Manoelinas continham a mesma norma, desta feita insculpida no Livro V, Título 50.

[6] Cf. Exposição de Motivos do Projeto (anteriormente chamada "Base 14"; depois em 22/12/99, recebeu a numeração EM 773 e, mais recentemente, em julho de 2.000, n. 275).

    Assim está redigida a referida inovação: "Art.14, são deveres das partes, de seus procuradores e de todos aqueles que de qualquer forma participam do processo: (...) V - cumprir com exa­tidão os provimentos mandamentais e não criar embaraços à efetivação de provimentos judiciais, de natureza antecipatória ou final.

    “Parágrafo único. A violação do disposto no inciso V deste artigo constitui ato atentatório ao exercido da jurisdição, podendo a Juiz, sem prejuízo das sanções criminais, civis e processuais cabíveis, aplicar ao responsável multa em montante a ser fixado de acordo com a gravidade da conduta e não superior a vinte por cento do valor da causa; não sendo paga no prazo estabele­cido, contado do trânsito em julgado da decisão, a multa será ins­crita como divida ativa."

[7] A tutela inibitória na vida privada, p. 212, n. 3.9.2.2.

[8] Seguindo essa linha de raciocínio, o Magistrado e Professor JORGE DE OLIVEIRA VARGAS, em sua Dissertação de Mestrado defendida perante a Universidade Federal do Paraná. perante Banca Examinadora, da qual tivemos a honra de partici­par, intitulada As conseqüências da desobediência da ordem do juiz cível - sanções pecuniária e privativa de liberdade, entre outras conclusões interessantes, articula que: "(...) gg) é possí­vel. Excepcionalmente, o juiz: cível considerar em flagrante delito,  por crime de desobediência de prevaricação ou do Decreto n.201, art.1º, XIV, a pessoa que, sem justificativa plausível, des­cumpre sua ordem. pois acima do direito individual daquele que abusa de seu direito de autonomia da vontade, está o interesse coletivo em fazer com que a jurisdição seja eficiente, e que bens  ou valores relevantes sejam efetivamente protegidos, ainda que com o sacrifício da liberdade do renitente; hh) a prisão em fla­grante pode ser decretada pelo juiz cível porque é ele quem vai apreciar a justificativa do renitente, o Qual só estará em flagrante se a justificativa não for aceita ...” (p. 149)

[9] Entre tantos julgados, podemos citar a título meramente ilustrativo: TACrimSP, Ap.5051538, 2ªC, Rel.Juiz Mafra Carbonieri, j.30/6/88, RT 633/306; TRF, 5ª, RHC, 894, PE. 1ª T., Rel.Juiz José Maria Lucena, DJU, 2/11/98, p.226; TJSC – HC 9701760-0, 1ª CC, Rel. Dês. Paulo Gallotti, j. 18/3/97; j. 18/3/97; TARS, HC 195036934 – 6ª Cciv. Rel. Juiz Ari Azambuja Ramos, j. 2/5/95, TRF 5ª R. – HC 202 – PE – 1ª T. – Juiz Hugo Machado, DJU 29;05;1992 – RJ 179/142; TRF 4ªR. – HC 92.04.05839-0 – RS – 1ª T. – Rel.Juiz Vladimir Freitas – DJU 15.04.1992 – RJ 178/132; STJ – HC 2.672-1 – GO – Rel. Min. Adhemar Maciel – DJU 15.08.1994 – RJ 205/98; TRF 1ª R – Despacho em HC n. 1999.01.00.112146-4/PL, Rel. Juiz  Menezes.j.25/11/99.

[10] Diga-se o mesmo a respeito da não aplicação, no caso, por não versar a hipótese em exame sobre “prisão civil", do Pacto internacional sobre Direitos Civis e políticos (rat. Dec. Leg. 226/91) ou da Convenção Americana sobre Direitos Humanos do Pacto de San José da Costa Rica (art. Dec.  27/92).

[11] Comentários ao CPC.1.XII. p.449.

[12] Execução indireta. pp. 245/246, n.4.2.4. 

    E arremata o Professor cearense: "Sendo assim. é razoável entender-se que o § 5° do art. 461 constitui fundamento legal bastante, para que o juiz possa decretar a prisão de devedor de obrigação não pecuniária, como medida destinada a compeli-lo a adimplir, sempre que essa medida se revele a mais adequada, dentro dos critérios já examinados, ao caso concreto” (idem.p'. 246).

[13] SÉRGIO CRUZ ARENHART, A tutela inibitória da vida privada, pp. 211/212, n.3.9.2.2.

[14] Nesse sentido, v. PONTES DE MIRANDA, Comentários ao CPC, vol.XII, pp.449/451; JOSÉ DE MOURA ROCHA, Exegese ao CPC, vol. VIII, p. 454. Em sentido contrário, v.OVÍDIO A. BAPTISTA, Curso do processo civil, vol.III, p.370/371, ed.2ª e CARLOS ALBERTO A.DE OLIVEIRA & GALENO LACERDA, Comentários ao CPC, vol.VIII, t.II, p.415/417, n.139, ed.3ª. 

[15] Novas linhas do processo civil, pp.87/88, n.2.4.13, ed.2ª. 

[16]  Ob.cit., pp. 206/213, n.3.9.2.2.

[17] Cf. Execução indireta, pp.246, n.4.2.4.

[18] Cf. Processo de execução a assuntos afins coletânea de estudos. A tutela executiva dos direitos difusos nas ações coletivas p. 171.

[19] Lineamentos do novo processo civil, p.75.

    V.também ROGÉRIA F.DOTTI, Genesis, Ver. Dir. proc. Civ. Vol. 2/386. A crise do processo de execução; JORGE VARGAS, Gênesis, Ver. Dir. proc. Civ., vol.3/797. A pena de prisão para a  desobediência da ordem do juiz cível e a sua Dissertação de Mestrado, defendida junto à UFPR, intitulada As conseqüências da desobediência da ordem do juiz cível – Sanções pecuniárias e privativa da liberdade.

     No direito italiano, entre outros, v. VITTORIO COLESANTI, Riv.dir.proc.vol. oct/dic., Misure coercitive e tutela dei diritti, pp. 602/626, 1980.