Artigos



O PRINCÍPIO DA SUCUMBÊNCIA

     Do amplo acesso à Justiça - Percebeu o legislador que não basta garantir ao jurisdicionado - sobretudo ao mais humilde e desafortunado - o direito de acesso (direito de acesso aos tribunais), mas, sim, viabilizar o amplo e irrestrito acesso à ordem jurídica justa.

    Para atingir esse desiderato, não bastaria colocar à disposição dos cidadãos um mecanismo ágil e eficiente de prestação da tutela jurisdicional do Estado. Era necessário ainda mais, e esse plus consistia em não criar qualquer obstáculo de or­dem financeira, garantindo, desta forma, que to­dos os conflitos intersubjetivos de interesse não solucionados sem a interferência do Estado-juiz, isto é, espontaneamente, fossem levados aos tri­bunais, evitando-se a litigiosidade contida ou a "justiça informal" paralela.

    Fez-se, portanto, o acesso aos Juizados Es­peciais de Causas Cíveis, em primeiro grau, sem qualquer ônus às partes, independentemente do resultado da demanda, ressalvadas algumas pou­quíssimas hipóteses que veremos mais adiante.

    Todavia, se o beneficio adequava-se perfei­tamente às expectativas da Lei das Pequenas Causas (nº 7.244/84. art. 51), o mesmo já não ocorre, na mesma proporção, quando transportado para ti Lei nº 9.099/95.

    Justificava-se a isenção geral das despesas no primeiro grau de jurisdição no sistema revoga­do porque se partia da premissa de que estaríamos diante de uma justiça criada para atender a po­pulação mais carente, sobretudo pela limitação do valor da causa em vinte salários mínimos. Dizia­-se, inclusive, que, nas pequenas causas, a gratui­dade não dependia de requerimento, porque havia presunção de pobreza, a qual decorria da própria lei[1].

    Diverso é o microssistema atual que teve o valor da causa dobrado para quarenta vezes o salário mínimo, como ainda chamou para si, em caráter opcional, a competência para as causas enumeradas no art. 3º, onde se inclui, dentre tantas demandas, a execução de títulos judicial e extrajudicial. Hoje, a justiça especializada atende também a classe menos abastada da população como os inúmeros interesses da chamada classe média (baixa, intermediária e alta); para chegar­mos a esse resultado, basta considerar que a renda per capita do povo brasileiro gira em torno de US$ 3.000,00 (três mil dólares), sendo este valor inferior ao limite estabelecido para as cau­sas que tramitam sob a égide da Lei nº 9.099/95.

    Vê-se, sem maiores dificuldades, que o sis­tema do diploma revogado e do atual não se equivalem nesse aspecto. Não foi feliz o legislador ao realizar a simples transposição do antigo art. 51 para o atual art. 54. Teria andado melhor se tivesse mantido a gratuidade até o limite já esta­belecido na Lei n 7.244/84 e para as hipóteses em que o postulante litigasse desacompanhado de procurador habilitado. Poderia, também, o sistema ler assegurado o benefício apenas até a fase con­ciliatória. Nos demais casos, as regras norteadoras do Código de Processo Civil (art. 20) parece-nos que deveriam ser atendidas. Mas não foi nada disto que se verificou.

    A ampliação em caráter absoluto das custas e sucumbência, no primeiro grau dos juizados especiais, representa, por vias transversas, o enriquecimento sem causa da parte sucumbente e o empobrecimento despropositado do vencedor, que terá de suportar ao menos os honorários de seu advogado, se a demanda for de valor superior a vinte salários mínimos.

    O sucumbente deveria arcar com o ônus final, inclusive com honorários advocatícios, não sendo justo impor ainda mais essa sobrecarga ao vencedor, a medida que representa limitação ou restrição ao seu próprio direito reconhecido em juízo, ou, indiretamente, a toda a sociedade, que assume o gravame através do erário público, com as despesas processuais. A distinção legislativa deveria repousar tão só na circunstância econômi­ca de cada um dos litigantes e não simplesmente generalizá-las.

    Parece-nos ainda que existe afronta ao prin­cípio da igualdade Jurídica, porquanto se atribuí ao vencedor o mesmo tratamento conferido ao per­dedor da causa. Nada obstaria, se fosse o caso, de se aplicar o bcnel1cio da Lei nº 1.060/50, que dispõe sobre a assistência judiciária gratuita [2].

    Outro problema que se tem verificado na prática forense, servindo como indicador da neces­sidade de uma revisão da aplicabilidade da supres­são total do princípio da sucumbência nos juizados especiais cíveis, reside na preocupante situação que envolve as diligências dos oficiais de justiça.

    Se não há dúvida de que a nova lei veio para facilitar e ampliar o espectro elo acesso ao Judi­ciário, também não é menos verdadeiro que os  serventuários, ou o próprio Estado, não podem arcar incondicionalmente com esse fardo.

    Parece-nos que a via de uscita está na apli­cação analógica da orientação já firmada pelo Superior Tribunal de Justiça, para as demandas em que a Fazenda Pública figura como parte [3].

    Não se pode perder de vista que, se a inter­pretação por critérios tradicionais conduzir à injus­tiça, incoerências ou contradição, recomenda-se buscar o senso equitativo, lógico e acorde com o sentimento geral. Custas e emolumentos, quanto à natureza jurídica, não se confundem com des­pesas para o custeio de atos decorrentes do cami­nhamento processual, não estando o meirinho obrigado a arcar, em favor da Fazenda Pública, também compreendidas as suas autarquias, com as despesas necessárias para a execução de atos judiciais; [4] o mesmo entendimento pode e deve ser aplicado em relação aos juizados especiais cíveis.

    Das despesas processuais em grau de recurs­o - A isenção das despesas a que nos referimos restringe-se, como princípio, ao primeiro grau de jurisdição. Se as partes entenderem que devem recorrer ao Colégio Recursal, deverão efetuar, pre­viamente, o preparo, na forma estatuída no § 1º do art. 42 desta Lei, o qual compreenderá todas aquelas típicas desta fase processual, assim como as que foram dispensadas inicialmente na instân­cia a quo.

    Dessa regra, excetuam-se os beneficiários da assistência judiciária gratuita.


    [1] . CF. Ronaldo Frigini, Comentários à lei de pequenas causas, pp. 413/415. n.51.1 e 51.2

    [2] Não se pode esquecer da orientação firmada pelo Superior Tribunal de Justiça. ao nosso sentir absolutamente correta, no sentido de aplicar o princípio da sucumbência, inclusive quando a parte perdedora fosse beneficiária da assistência judiciária gratuita. É o seguinte a súmula da decisão: “0 acesso ao judiciário é oneroso, ressalvadas as exceções legais. O vencido arcará com o pagamento das despesas, custas e honorários de advogado. A sucumbência é para ambas as partes, ainda que uma delas atue amparada pela assistência judiciária. Impõe-se a respectiva condenação. Em havendo mudança patrimonial do vencido, antes ne­cessitado. cumpre efetuar o pagamento. Raciocínio contrário afe­taria o principio da igualdade jurídica entre autor e réu. Justifica­-se a distinção. por fator econômico.  A sentença, na espécie, não é condicional. Condicional é a execução. Inteligência da lei nº 1.060/50, art. 11, § 2º, e da Lei nº· 4.215/63, art. 94, II e III.' (Rec. Esp. n. 26.978-0-SP. Registro nº 92.0022575,6, por una­nimidade. Relator Min. Vicente Cernicchiaro).

    Ressalta se ainda do corpo do v. aresto a lição distintiva entre o "Ônus da sucumbência - igual para todas as partes e - disponibilidade de recursos para o pagamento. Aqui, sim, e não lá, reside a causa da distinção imposta pela isonomia".

    [3] - Isso porque "... não há legislação que obrigue o oficial de justiça a antecipar o pagamento das despesas com diligências necessárias à pratica de atos de interesse de entidades públicas". (ST), Ref. Min. Peçanha Martins. DJU I - de 1/3/93, ('. 25m).

    No mesmo sentido. "Os arts. 27 do CPC e art. 39 da Lei nº 6830, de 22/9/80, não obrigam o meirinho a financiar despesas para permitir a prática de atos processuais do interesse de enti­dades públicas. retirando de sua remuneração, que é paga pela Estado, quantias com aquela finalidade. O caso não é de simples iniqüidade, mas de obrigação legal". (ST'), Ref. Min. Antônio de Pádua Ribeiro. DJU. I, de 31/8/92, p. 13.641).

    [4] cf. STJ, RSTJ, vol. I 71/43, julho 1995. Emb. Div. em Rec. Esp, nº 22.661-7-SP. Registro n" 93.0010655-4, Rel. Min. Relator: O Sr. Ministro Milton Luiz Pereira.