Artigos



MUNICIPALIZAÇÃO DA JUSTIÇA – JUSTIÇA PARTICIPATIVA E COEXISTENCIAL*

      1. A crise da jurisdição

    A forma como se encontra secularmente estruturado o Poder Judiciário há de ser repensada, somando-se a necessidade cada vez mais premente de se aprimorar e difundir as técnicas e instrumentos não ortodoxos de solução de controvérsias, à medida que, o Estado-Juiz, por múltiplas razões, tem deixado paulatinamente de cumprir de maneira satisfatória o seu papel de pacificador social por intermédio da prestação da tutela jurisdicional coercitiva (sentença de procedência ou improcedência do pedido). Faz-se ainda atual a advertência lançada há duas décadas por Giovanni Verde, quando asseverou que “a experiência tumultuada destes últimos quarenta anos nos demonstra que a imagem do Estado onipotente e centralizador é um mito, que não pode (e talvez não mereça) ser cultivado. Deste mito, faz parte a idéia de que a justiça deva ser administrada exclusivamente pelos seus juizes”.[1]

    Podemos afirmar que no mundo contemporâneo, sobretudo no Brasil, vivemos simultaneamente várias, complexas e interligadas crises: a) legislativa (processual e material)[2]; b) Sistema jurídico posto (direito)[3]; c) institucional (judiciária-administrativa)[4], d) operacional (formação doas profissionais do direito)[5], e)jurisdicional.

    Entre todas essas “crises”, a que nos interessa diretamente neste estudo e se afigura como uma das mais graves (por refletir na manutenção do equilíbrio do estado democrático de direito e na paz social) é a jurisdicional, considerada a expressão em seu sentido mais amplo (sócio-político), ou seja, como estatização da jurisdição e a unificação ortodoxa das técnicas de resolução de conflitos.

     É assente que a jurisdição pública há muito está em crise – verdadeira patologia endêmica – em que pese não se tratar de problema apenas nacional, à medida que a maioria dos países (mormente os integrantes do sistema de civil law) apresentam também sérias dificuldades (notadamente estruturais) na prestação da tutela jurisdicional, exigindo a sua ampla e cabal reforma.

     Na verdade, “a situação que vivemos é patológica, e é puro cinismo pretender vendê-la ao público como normal, saudável, quem sabe como prova da vitalidade da democracia pluralista.”[6]

     Inegável que o Estado-juiz tornou-se impotente para dirimir todas as espécies de conflitos do mundo contemporâneo que, por sua vez, consumam-se em velocidade de chip de computador, fazendo com que os jurisdicionados de maneira mais célere e simplificada.

     Enfraquecida a onipotência do Estado-juiz para a composição de todas as lides jurídicas, verifica-se uma tendência universal à canalização da jurisdição estatal para a resolução de múltiplas questões de ordem pública, enquanto as de natureza diversa vão migrando para a iniciativa privada, sem prejuízo do acesso à justiça estatal.

     Reportando-se ao antigo texto da Exposição de Motivos da Lei Espanhola de 1953, assinalou Adolfo Alvarado Velloso que “diante da necessidade de ordenar igualmente esses conflitos de interesses, o Direito, antes de chegar ao puro mecanismo coativo da intervenção inapelável do Poder Público, idealiza uma série de meios de conciliação que tratam de restabelecer, na medida do possível, a interrompida ordem da convivência social. Desse modo, não se desconhece nem se menospreza o labor augusto do juiz, como órgão da soberania do Estado, sorte que precisamente por essa excelsitude de seu caráter, reserva-se para aqueles casos em que, desgraçadamente, um tratamento amistoso não é possível nem sequer por esta via indireta, e se faz necessária a intervenção do império estatal.”[7]

  

    2. As formas alternativas de resolução de controvérsias (ADRs)[8]

    Em busca da solução ou minimização do problema universal consiste na resolução dos conflitos surgem as chamadas ADRs (Alternative Dispute Resolution), assim concebidas não apenas no sentido técnico, mas como expedientes não judiciais e/ou não adversariais destinados à solução das lides (sociológicas e jurídica)[9]

    Ampliam-se, portanto, não só o espectro de “acesso aos tribunais” (expressão por nós concebida como acesso à jurisdição), seja pela legitimidade ativa, seja através da colocação à disposição dos interessados de novos mecanismos de pacificação social, como também as formas de solução e composição das lides (v.g. arbitragem, mediação judicial e extrajudicial[10], conciliação, jurisdição especializada fundada no princípio da oralidade em grau máximo[11], incremento judicial-processual das audiências preliminares e/ou de tentativa de auto-composição[12])[13].

    As técnicas de mediação e de conciliação enquadram-se prestigiosamente nessas formas menos ortodoxas de soluções não adversariais dos conflitos, espécies do gênero auto-composição (auto-composição amigável).

    A mediação (judicial ou extrajudicial) propicia aos contendores o encontro da solução amigável capaz de resolver definitivamente a controvérsia, seja através da conciliação ou da transação.

    Como uma das técnicas de composição dos conflitos, não se identifica totalmente com a conciliação, nada obstante a similitude existente entre ambas. Naquela, o mediador tenta aproximar os litigantes promovendo o diálogo entre eles a fim de que as próprias partes encontrem a solução e ponham termo ao litígio. Funda-se a técnica aos limites estritos da aproximação dos contendores.

    Diversamente, na conciliação, o terceiro imparcial chamado a mediar o conflito – o conciliador – não só aproxima as partes como ainda realiza atividades de controle das negociações, aparando as arestas porventura existentes, formulando propostas, apontando as vantagens ou desvantagens, buscando sempre facilitar e alcançar a auto-composição.

    Em síntese, o conciliador e o mediador aproximam as partes, ouvem as suas razões e pretensões, em prol da busca incessante da auto-composição, mostrando aos litigantes as vantagens decorrentes do sucesso do acordo.

    O segredo e o sucesso dessas técnicas de composição amigável dos inúmeros conflitos intersubjetivos estão na simples circunstância de que, através da resolução pacífica encontrada pelos próprios litigantes, não resultarão vencidos ou vencedores, em decorrência do entendimento mútuo resultante da análise de propostas e eliminação de riscos e ônus maiores que poderão advir com a prolação de uma decisão de mérito. Estamos convictos de que somente o estímulo e efetiva prática das inúmeras  formas complementares de solução de controvérsias, sobretudo as consensuais, é que poderão mudar a concepção dos brasileiros de que “só a Justiça” pode solucionar todos os seus conflitos.[14]

   

    3. Justiça participativa e coexistencial

    É justamente nesse novo contexto que aflora a justiça coexistencial e participativa, ancorada em “juízos conciliatórios” manejados por cidadãos leigos da comunidade local, que se utilizam da oralidade em grau máximo (simplicidade, informalidade, concentração e economia) em busca da resolução não-adversarial dos conflitos apresentados.

    A verdade é que por mais que se reformem as leis de processo (e já se vão quase vinte anos de permanentes e agonísticas mudanças instrumentais), elas não serão capazes de, por si só, romperem o desajustes secular de uma justiça anacrônica, saturada de demandas (sempre crescente) e desestruturada, no que concerne ao número incompatível de magistrados e serventuários.

    Na década de 80 e 90, pensou-se que os Juizados de Pequenas Causas e, mais tarde, os alvissareiros Juizados Especiais, seriam o baluarte de uma “promissora e nova justiça”; ledo engano, pois o acesso à Justiça estatal se fez crescente vertiginosamente – o que já era esperado, pois um dos principais escopos dos juizados reside na minimização da litigiosidade contida.

    Na prática, de forma geral, os Juizados terminaram sendo dimensionados e implementados de maneira ainda muita ortodoxo, baseados na resolução do conflito através de sentença de verificação do mérito (procedência ou improcedência do pedido), centrados na figura do clássico juiz togado, e, por conseguinte, sem muita distinção da justiça tradicional. Não foi a toa que se ouviu dizer tratar de uma “justiça menor” ou “inferior”...

     Estamos de acordo com Carreira Alvim quando afirma que “o maior entrave dos antigos juizados de Pequenas Causas e dos atuais e Juizados Especiais Cíveis e Criminais foi não terem os Estados-membros, por meio dos seus Tribunais de Justiça, prestigiado os principais pilares dos juizados, que são os juízes leigos e os árbitros, preferindo estruturá-los centrados apenas no juiz togado e na figura do conciliador.

     “Esse foi o grande equívoco do passado, e que precisa ser corrigido no presente, sob pena de inviabilizar a Justiça do futuro.”[15]

     Em outros termos, o modelo alicerçado na oralidade e auto-composição, terminou sendo um triste arremedo do sistema adversarial, frustrando-se, assim o ideal maior. É absurdo, mas não raro, encontrarmos nos Juizados Especiais Cíveis demandas tramitando há mais tempo do que na Justiça comum, hipóteses em que, não frutificando a conciliação, a instrução e julgamento é designada para muitos meses depois, por falta de pauta (leia-se, falta de juiz togado).

     Por isso, faz-se imprescindível redimensionar os Juizados Especiais através da concepção de novos e eficazes mecanismos à resolução dos conflitos e, em última análise, a própria tutela jurisdicional prestada em prol da efetiva pacificação.

     A reformulação da jurisprudência não é idéia nova. Capelleti, na década de 70, já preconizava na chamada “terceira onda” da ciência processual, a necessidade de modificação do processo como instrumento de realização do direito material e da administração da Justiça, a ser realizada, entre outras formas, através de pessoas leigas (justiça participativa) para resolver conflitos por intermédio da auto-composição (justiça coexistencial), sem perder de vista a jurisdição tradicional.[16]

     Urge concretizar uma das facetas da tão decantada “terceira fase do processo civil” através da efetiva implementação de mecanismos não conflituosos (sistema não-adversarial) para a resolução de complexidade e valor. Para tanto, exige-se apenas a presença de homens de boa vontade política (para viabilizá-la) e fática (para efetivá-la em termos práticos).

 

    4. Descentralização (municipalização) da Justiça

     Para que se atinja esse desiderato, havemos de descentralizar a Justiça, tornando-a, de fato e de direito, acessível a todos. Inconcebível, num país como o nosso, de dimensões continentais, e, por conseguinte, com estados federados com larga extensão territorial dotados de inúmeros municípios, que a justiça seja oferecida apenas em “sede de comarca”, sempre instalada naquelas cidades de maior contingente populacional e punjança político-econômica. Os demais municípios, comumente distantes dezenas ou centenas de quilômetros da “sede”, ficam desprovidos de justiça efetiva. Aliás, há muito o caminho já foi aberto através da regra insculpida no art. 94 da Lei 9.099/95, restando apenas a sua efetiva implementação.[17]

     “O que se propõe é que o bom senso aflore e que os responsáveis pelo destino da Justiça neste País, se dêem conta de que os Estados Federados nunca terão condições de ministrar justiça contando apenas com juízes togados, sediados nas comarcas, a não ser criando Juizados Informais municipais em cada Município brasileiro, em número correspondente à sua potencialidade litigiosa, e estruturados com base nos juízes leigos, árbitros e conciliadores.”[18] Alguns projetos legislativos já começaram a dar o tom para definir as tintas desse novo quadro multicor, inclusive em sede constitucional. A proposta de Emenda Constitucional n. 233/04 de autoria do Deputado Federal Carlos Mota (PL-MG) e outros, formula nova redação ao caput do art. 125 da Constituição Federal, obrigando o Poder Judiciário a estabelecer, pelo menos, uma vara em cada município, sob pena de incidência em crime de responsabilidade.[19]

     Com razão, justifica o Deputado proponente, a Emenda Constitucional com o seguinte asserto: “Diversas comarcas judiciais, no interior do Brasil, são obrigadas a abranger inúmeros municípios, o que causa transtornos aos juízes e à população, aqueles pela impossibilidade de oferecer uma adequada prestação jurisdicional e esta por se ver abandonada pelo Poder Judiciário. Não são raros os casos em que a pessoa vítima de agressão em direito de que é titular tenha de se locomover centenas de quilômetros para apresentar a respectiva petição.

     “A emenda aqui justificada pretende equacionar o problema obrigando o Poder Judiciário a estabelecer pelo menos uma vara de justiça no âmbito dos Municípios, o que impedirá que a respectiva população seja obrigada a se deslocar para ter acesso à tutela judicial. De uma forma inovadora, prevê-se sanção pelo descumprimento do novo comando constitucional, evitando-se, com o artifício, que a norma adquirida caráter meramente programático. São essas as razões pelas quais se espera pleno apoio à apresentação da presente proposta e sua aprovação quando for apreciada pelo douto Plenário.”

     Na mesma linha, o Projeto de Lei do Senado, n. 59/03, de 13 de Março de 2003, que altera o disposto no art. 95 da Lei n° 9.099/95, e dá outras providências, para fins de criação dos Juizados Especiais municipais e itinerantes[20] Trata-se, contudo, de sugestão legislativa de importância duvidosa, ou melhor, desnecessária em face da matéria já estar regulada, em outros termos, no art. 94 da Lei 9.099/95.

     Nessa nova etapa processual-jurisdicional, o que se pretende é atingir a pacificação dos conflitos com a observância ao quadrinômio representado pelos valores segurança, tempo hábil, justiça e acessibilidade. A segurança relaciona-se com o devido processo legal; o tempo hábil com a incidência da celeridade; a justiça da decisão com a atenção do julgado ao princípio da congruência (pedido e pronunciado) e o direito aplicável à espécie; acessibilidade que representa nada menos do que a proximidade entre o jurisdicionado e a jurisdição, tendo-se em conta que a justiça há de estar onde o povo está, à medida que a enigmática figura distante do Estado-juiz muito pouco serve. Em outros termos, a criação de um sistema judiciário municipalizado compreende a permanente presença jurisdicional em cada município não considerado “sede comarca”. Esse novo sistema deve ser administrado, in loco, por um juiz leigo, conciliador ou mediador (essas questões hão de ser definidas através das normas locais), sob a supervisão do juiz togado com competência em matéria de juizados especiais, sediado na comarca mais próxima.

     Por conseguinte, o conflito será solucionado-preferencialmente de maneira não-adversarial – no seio da própria comunidade onde ele teve as suas origens, facilitando a compreensão do problema posto ao conhecimento do terceiro imparcial, assim como reduzirá em grande escala a formação de lides jurídicas (jurisdicionalização do conflito sociológico).

     Ademais, a prestação de tutela nesses juizados municipais fundar-se-á na busca da auto-composição, isto é, a solução do Conflito apresentado sem a jurisdicionalização da demanda formulada.

     Não chegando a bom termo a tentativa de auto-composição, nada obsta que esses juizados assumam a jurisdição efetiva, com a prestação de tutela através de juiz leigo, apto legalmente à instrução do processo e prolação de sentença de mérito (procedência ou improcedência do pedido), conforme disposições insculpidas nos artigos 7° e 40, ambos da Lei 9.099/95, ou, ainda, quiçá investido nas funções de árbitro, nos moldes da Lei 9.307/96.

     Para viabilizar-se a implementação da justiça municipalizada, há de se distinguir: 1°) a que açambarca as demandas cíveis e criminais de menor valor e complexidade, e, menor potencial ofensivo, respectivamente, nos limites territoriais do próprio município; 2°) a que engloba as demais ações cíveis e criminais.

     Numa primeira, faz-se mister que as atenções estejam voltadas integralmente para a municipalização da Justiça em sede de Juizados Especiais (formais e informais) Cíveis e Criminais.

     Frise-se que não se trata, por óbvio, nessa primeira etapa a que nos referimos, de instituir um “Poder Judiciário municipal”, mas de viabilizar mecanismos e infra-estrutura básicas para o funcionamento dessas novas unidades jurisdicionais, a cargo dos próprios municípios, com a supervisão da Justiça estadual.

     Esses “Juizados municipais” terão como única  e específica atribuição: a tentativa de auto-composição (cível e/ou criminal), e serão sempre prestigiados por jurisdicionados leigos (não togados), nos moldes já delineados precedentemente.

     Para a consecução desse desiderato, os Estados deverão firmar convênios com todos os Municípios que desejarem integrar o projeto que denominamos de justiça participativa e coexistencial.

     Entre tantos outros aspectos, esses convênios abordarão a logística para implantação do projeto e funcionamento cabal dessas unidades, isto é, as metas a serem atingidas, o cronograma, a definição de local, estrutura física, equipamentos e pessoal, a forma de seleção do pessoal, eventual remuneração, preparo (formação) dos mediadores, conciliadores e/ou árbitros, horário de funcionamento, segurança pública etc.

     Essas unidades municipais podem ser normatizadas através de lei estadual ou por intermédio de ato administrativo interno do Poder Judiciário de ato administrativo interno do Poder Judiciário, por se tratar de simples extensão das atribuições conferidas aos Juizados Especiais (detentores da competência originária), e, disposição contida no art. 94 da Lei 9.099/95.

     Após a instalação dos Juizados Municipais (Formais ou Informais), as demandas de sua competência deverão ser ajuizadas, necessariamente no foro local, para fins de tentativa de conciliação prévia, vedando, portanto, o ajuizamento direto nos Juizados Especiais situado na sede da comarca, salvo se a hipótese em concreto versar sobre tutela de urgência (antecipatória ou cautelar). Nesse último caso, tão logo o juiz togado decida a questão emergencial, retornarão os autos ao município de origem para a designação de sessão de conciliação.

     

    5. Jurisdição difusa: câmaras de auto-composição

     Por sua vez, as sedes de comarcas de maior contingente populacional, via de regra onde já estão instaladas as varas dos Juizados Especiais (cíveis e criminais), estão a exigir também atenção diferenciada do Poder Judiciário, no sentido de facilitar o acesso à justiça para as pessoas residentes em bairros, distritos ou subdistritos mais afastados e/ou detentores de elevado contingente populacional, ou, ainda, de difícil acesso.

     Nesses casos, criar-se-iam câmaras de auto-composição, compostas também por conciliadores leigos membros da comunidade local que gozem de reputação ilibada, indicados pelos conselhos comunitários e nomeados pelo juiz togado local, nada obstando que sejam estudantes de Direito[21].

     Assim como nos juizados municipalizados, as câmaras de auto-composição devem ser dotadas de atribuições voltadas à tentativa de conciliação, assim concebida em suas diversas formas, tais como transação, renúncia ao direito sobre o qual se funda a pretensão, reconhecimento parcial ou total do pedido e, a desistência da ação, com a subseqüente lavratura de termo e homologação do acordo.

     Não prosperando o acordo, o conciliador ou mediador reduzirá a termo a defesa oral ou, se escrita, consignará o recebimento da peça, remetendo-a com toda a respectiva documentação que acompanha a inicial e resposta à secretaria dos juizados especiais (onde está sediada a vara especializada) para fins de designação de audiência de instrução e julgamento, ou, dependendo da hipótese, para a tomada de providências processuais preliminares ou prolação de sentença conforme o estado do processo.

     Também, o ajuizamento da demanda far-se-á, necessariamente, no próprio bairro, distrito ou subdistrito em que reside o postulante. Havendo alguma providência de urgência a ser tomada initio litis, a inicial será encaminhada ao juiz togado, para os devidos fins e, após apreciado o pedido emergencial, determinará o retorno dos autos à origem, para a realização da sessão de conciliação, à exemplo do que se verifica, igualmente, nos juizados municipais.

  

    6. Acordos não jurisdicionalizados com a força de título (judicial ou extrajudicial)

    O art. 57 da Lei 9.099/95 está a merecer maior atenção e realce diante da possibilidade conferida aos jurisdicionados de resolverem seus conflitos através de acordos não jurisdicionalizados (auto-composição extrajudicial).

     Nesses casos, resolve-se a lide sociológica de maneira puramente não-adversarial, isto é, sem a instauração de processo e, por conseguinte, sem demanda e formação de lide jurídica, através da chancela conferida pelo microssistema aos acordos extrajudiciais que são apresentados ao Estado-juiz ou ao Ministério Público, validando-os e equiparando-os a títulos judicial ou extrajudicial, respectivamente.

     Nada obstante tratar-se de regra que facilita a auto-composição, tem sido pouco utilizada na prática forense, desconhecendo-se, na verdade, a razão desse fato. Uma coisa é certa: há de se instituir nos estados, e, difusamente, em bairros, municípios, distritos e subdistritos uma política judicial direcionada à resolução não-adversarial dos conflitos.

     Observadas as limitações instituídas no art. 8° da Lei 9.099/95, o legislador abriu um enorme leque em sede de competência dos juizados especiais cíveis para fins de conciliação, como verdadeira exceção às regras insculpidas no art. 3°, inc. I (valor) e § 2° (matéria). Significa dizer que os limites referidos têm pertinência tão-somente no que concerne as lides institucionalizadas, ou seja, para fins de resolução de conflitos em sede adversarial (lide e processo).

     Segundo o texto legal do art. 57, as matérias de quaisquer natureza e valor (inexistência de limite qualitativo ou quantitativo) podem ser objeto de acordo e homologadas perante o juiz togado dos juizados especiais, ampliando-se, em muito, o espectro da auto-composição.

     Para a melhor consecução da norma insculpida no parágrafo único do art. 57, é de bom alvitre que o Poder judiciário estabeleça com o Ministério público diretrizes comuns para a sua efetivação.

 

* Excerto da obra Juizados Especiais Estaduais Cíveis e Criminais. Comentários à Lei 9.099/95 (em co-autoria de Fernando da Costa Tourinho Neto) Editora Revista dos Tribunais, 2004, no prelo.

 [1] L’arbitrato secondo la legge 28/1983. Arbitrado e giurisdizione, p. 168.

 [2] Vê-se, especialmente nas últimas décadas, a constante preocupação do legislador em adequar aos novos tempos e necessidades dos jurisdicionados as normas instrumentais e materiais (v.g. ação civil pública, Código de Defesa do Consumidor, ampliação das ações e remédios constitucionais, reformas do Código de Processo Civil, o novo Código Civil etc.).

 [3] Comungamos da opinião de Francisco Rezek quando assinala que a crise do direito brasileiro “... é uma espécie de vírus que contamina as nossas regras de vida em sociedade, está presente no seu processo de produção, projeta-se mais tarde sobre sua vigência, envolve e compromete de modo direto e constante todos os seus operadores, não só os juizes. Quando o Direito ganha em volume o que perde em qualidade, mais parece nos asfixiar do que trazer alguma ordem à nossa vida. Um produto que alardeia prevenir e resolver problemas acaba por criá-los.

 “... Há no direito brasileiro dois vícios graves pedindo, já faz tempo, remédio urgente. Nossas regras de processo, antes de tudo, parecem não querer que o processo termine. Os recursos possíveis são muitos (creio não haver fora do Brasil trama recursal tão grande e complicada), e pouca gente hoje crê que isso ajude mesmo a apurar melhor a verdade para melhor fazer justiça.

 “... Do outro lado, as regras de direito material que o legislador edita com fartura têm sido a matriz de processos em larga escala, sobretudo quando é o governo que legisla, sem o pressuposto do debate parlamentar. (...) Se o Direito vive a resvalar para a obscuridade, a ambiguidade, a incoerência, ele pede mesmo (e pede a toda hora) o esclarecimento da Justiça.

 “Depuradas com coragem as regras de processo, moderada a fecundidade com o que se produz o direito material e melhorada a sua qualidade (ainda que pela só opção dos caminhos simples), nada mais seria preciso para superar a crise do nosso Direito, de que a da Justiça é mero subproduto. Isso não pede mais que algum trabalho, método e consciência do legislador. Não cresce, nessa reforma, a despesas pública.” (O direito que atormenta. Folha de São Paulo, 15/11/1998).

 [4] A crise institucional envolve, difusamente, a estrutura, a organização e o poder Judiciário, tais como: jurisdição e competência, divisão e organização judiciária, regime jurídico da magistratura, disciplina, organização e classificação de cargos dos serventuários, capacitação de juízes e serventuários etc.

 [5] Trata-se da crise dos operadores do Direito, decorrente dá má formação acadêmica dos profissionais do foro, a começar pelo ensino básico, culminando com os péssimos e proliferados cursos jurídicos espalhados indiscriminadamente pelos quatro cantos do País.

 [6] Francisco Rezek, idem, ibidem

 [7] RePro, 45/95-96. El Arbitraje: solucíon eficiente de conflictos de interesses

 [8] Sobre o tema das ADRs e as tendências universais para o processo do terceiro milênio, v. Joel Dias Figueira Júnior, Arbitragem, jurisdição e execução, itens n. 8 e 9, pp. 113/121, ed.1999

 [9] Observa Mauro Capelletti que, esse não é o único sentido emergente da chamada “terceira onda” (por ele e Bryant Garth assim denominada) do movimento de acesso à justiça, objetivando também se ocupar desses meios não ortodoxos em sede extrajudicial e judicial, donde exsurge como alternativa aos tipos ordinários ou tradicionais de procedimento (cf. RePro, 74/82, “Os métodos alternativos de solução de conflitos no quadro do movimento universal de acesso à justiça”).

 [10] Projeto de Lei 4287/00(apresentado pela Deputada Federal Zulaiê Cobra Ribeiro PSDB/SP) que institui a mediação judicial e extrajudicial.

 V. tAmbém Anteprojeto de Lei (elaborado pelo instituto Brasileiro de Direito Processual IBDP), que versa sobre a mediação prévia opcional e a mediação incidental obrigatória em quase todos os processos de natureza cível. No final de 2003 foi encaminhado ao Ministério da Justiça.

 Esse Anteprojeto apresenta uma versão final que é fruto de consenso com a Deputada Zulaiê, em face de seu aludido Projeto.

 [11] Juizados Especiais Cíveis e Criminais (estaduais ou federais).

 [12] V.g. arts. 125, IV, 277 c/c art. 278, art. 331, todos do CPC.

 [13] Existem outras formas não ortodoxas de resolução de controvérsias, pouco ou não utilizadas ainda no Brasil, tais como mini-trial, mock-jury, summary jury trial, baseball arbitration, early neutral evalution, lemon law procedure (cf. Peter Schlosser, RePro, 44/4005-1006,”alternative dispute resolution uno stimolo alla riforma perl’Europa?).

 [14] Cf. Roberto Portugal Bacilar, Juizados Especiais – a nova mediação paraprocessual, item n.1.2,p.86.

 [15] Anatomia de uma Justiça – Justiça Municipalizada, p. 8, item n. VII, Separata.

 E arremata com a seguinte observação no que concerne às audiências: “Em muitos casos, as audiências nos Juizados já vem sendo marcadas com tanta antecedência, que está a exigir a criação de juizados especialíssimos, para aliviar a insuportável carga de processos dos juizados Especiais.” (idem, ibidem).

 [16] Cf. Access to Justice, vol. I. A world survey; vol. II, Promising Institutions; vol. III, Emerging issues and perspective; Access to Justice and the welfare state. Publicação do Instituto Universitario Europeo. V. Também, do mesmo Autor, Problemas da Reforma do Processo Civil nas sociedades contemporâneas.

 [17] “Art. 94. Os serviços de cartório poderão ser prestados, e as audiências realizadas fora da sede da Comarca, em bairros ou cidades a ela pertencentes, ocupando instalações de prédios públicos, de acordo com audiências previamente anunciadas.”

 Apontamos a elogiável experiência do Estado da Paraíba, que através da Resolução n. 15/2002 baixada pelo Presidente do Tribunal de Justiça, Des. Marcos Antônio Souto Maior, instituiu os Juizados Especiais Cíveis Municipais.

 [18] J. E. Carreira Alvim. Idem, pp. 18/19, item n.XII, Separata.

 Sobre o tema em voga, v. também o entendimento de J.S. Fagundes Cunha, em artigo intitulado “Câmaras municipais de conciliação e arbitragem” (Informativo INCIJUR, n. 51, ano IV, outubro /03, pp. 8/10).

 [19] Assim está redigida a Proposta, in verbis: “Art. 1° O caput do art. 125 da Constituição Federal passa a vigorar com a seguinte redação:

 “Art. 125. Os Estados organizarão sua justiça, observados os princípios estabelecidos desta constituição e sendo obrigatória a existência de pelo menos uma vara de justiça por Município.

 “Art. 2° Na Hipótese de não ter sido dado pleno cumprimento à nova  redação atribuída ao art. 125 da Constituição Federal depois da transcorrido três anos da data de promulgação desta Emenda Constitucional, em razão de não ter ocorrido o encaminhamento ao Poder Legislativo estadual de projeto de lei com esse intuito, serão processadas por crime de responsabilidade as autoridades que deram causa à omissão.

 Art. 3° Esta Emenda Constitucional entra em vigor na data de sua promulgação.”

 [20] O teor do Projeto de Lei é o seguinte, in verbis: Art. 1°. O art. 95 da Lei 9.099, de 1995, que dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais, fica acrescido dos seguintes parágrafos:

 “Art. 95. Os Estados, Distrito Federal e Territórios criarão e instalarão os Juizados Especiais no prazo de seis meses, a contar da vigência desta lei, observando o seguinte:

 § 1° Os programas de instalação de novos Juizados Especiais atenderão prioritariamente aos municípios de maior demanda, considerada a concentração populacional;

 § 2º Nos locais de menor concentração populacional e nas áreas rurais, os Juizados Especiais poderão atuar de modo itinerante, vinculados à sede do Juizado Especial mais próximo pertencente ao mesmo Estado ou, mediante convênio, à mesma região, enquanto não forem instalados os definitivos e nos termos designados em lei local ou provimento judicial pertinente. (NR)”

 [21] Para facilitar, nada obsta que essa nomeação (sempre em caráter temporário) seja feita por simples ato administrativo interno do juiz togado titular dos Juizados Especiais, mediante portaria, após verificação e aprovação dos nomes indicados pelo conselho comunitário local. Para tanto, deve o juiz se valer de meios diversos antes de referendar os nomes indicados, tais como verificação de antecedentes criminais, inscrição em serviços de proteção ao crédito, publicação prévia de edital contendo o nome e qualificação das pessoas com prazo para eventual impugnação (fundamentada) por terceiros, ouvida da OAB local e Ministério Público, etc.